quarta-feira, 12 de outubro de 2005

A Mulher do Metro - Parte VII

- Muito bem!... Quase que me surpreendeste!
- Quase?
- Sim. Sabia que ias querer surpreender, e isso por si só já tira alguma surpresa à própria surpresa. Então achei que ias querer inverter os papéis e ser tu a apanhar-me em casa. Só não achei que conseguisses tão bem espiar-me sem eu dar conta.
- És convencido.
- Claro que sou. - Respondo, à medida que subo as escadas. Conseguira surpreender-me. Imaginei que isso pudesse acontecer. Ou melhor imaginara que ela pudesse lembrar-se dessa opção, mas não pensara que o conseguisse tão bem. Ali estava, boa, muito boa. Tinha o cabelo apanhado, um kispo branco e pequeno e umas calças de ganga azul escuro coçadas. De cada vez que a via, parecia saída de uma revista. Como será sem roupa. Alarme, talvez meus olhos estejam demasiado perto do meu pensamento, não posso deitar a perder tanto treino de fingir emoções e enganar sentimentos. Consigo parecer triste estando felicíssimo, e aparentá-lo, estando miserável. Adoro treinar estas coisas em mim. Isso fez de mim um mestre em relações inter-pessoais.
- Onde vais? - Pergunta, à medida que abro a porta do prédio. Cheira bem.
- P'ra casa. Queres entrar?
- Não te falta nada? - Pergunta, com uma voz desinteressada. Neste momento deito tudo a perder. Uma pessoa com o carácter e firmeza que já demonstrou ter é alguém que possivelmente reagirá indo embora e nunca mais aparecendo ao que faço.
- Falta. - Respondo, à medida em que entro no prédio, deixando-a sozinha na entrada. Abrando o passo... e relaxo, ouço o seu tacão fino pisar a madeira da entrada do edifício.
- Sobe. - Sugiro. Entro no apartamento, deixando a porta aberta, e sento-me na mesa em frente à mesma, a uns três metros. Estou sentado confortavelmente, de lado, um cotovelo apoiado na mesa de verniz escuro, uma perna cruzada sobre a outra. Acendo um John Player Special. Ela entra, lentamente. Atira a minha carteira, que vem rodando e cai sensivelmente no meio daq mesa.
- Estava bem rechada. - Diz, enquanto acende ela própria o seu cigarro. É todo branco. Esboço um sorriso matreiro, enquanto me passa pela cabeça a expressão tantas vezes usada... "cigarro de puta"...
- Cigarro de puta, não é? - Uau! Quase fico engasgado!
- Se tu o dizes.. Quem sou eu para negar. - Atiro como resposta, como meu sorriso desarmador. Não desarmo.
- Vê lá se não é mesmo. - Responde, puxando de uma cadira e sentando-se, também confortavelmente, na outra ponta da mesa. [continua]