segunda-feira, 18 de maio de 2009

Olívia

Cztery

Dói-me a cabeça. Abro os olhos, percebo a claridade e o ar pesado em todo o lado. Cheira a sono, tabaco, e vinho tinto. Castigo a minha dor de cabeça por me permitir recordar-me do que disse e me foi dito na noite anterior. Porque não pode a ressaca ser mais decidida e levar de mim tudo o que se passou? Levanto-me, nua, procuro a tua presença, e percebo estares na varanda. Uma nuvem de fumo paira ao redor da tua cabeça, como uma auréola perdida por alguém que mais a merecesse. Bebo um copo de água, e apetece-me que a noite anterior desapareça, para sempre. Ao pousar o copo na banca, que te chama com um fresco estalar, penso que dia gostaria, de facto, de reter de ti. A noite de ontem, a última terça, a noite de segunda… tudo momentos infernais, talvez o preço a pagar pelos cada vez mais raros momentos brilhantes que temos.
Visto a minha roupa interior e abro a porta da varanda.
- Que queres, Olívia? – perguntas, sem te virar. Vejo a tua pele desconfortável, anunciando-me o frio que sentes, o sacrifício que fazes para estar noutro sítio.
- Não sei. Não sei mesmo… – respondo, com toda a honestidade. Tiro um dos teus cigarros e acendo. Fazes-me sentir sem valor e suja na maior parte das vezes, e por isso me é difícil aceitar quando não o fazes. Deixa-me numa posição em que não sei que momentos esperam por quais. Esperam os belos pela destruição, ou esperam os maus pelo suave glamour dos teus beijos? É este não-saber que faz com que, quando te encontro amoroso para comigo, escolha esses momentos como os melhores para me vingar – Não faço de propósito, sabes… – admito, como se estivesses na minha cabeça nos segundos que antecederam esta conclusão. Olhas para mim e não dizes nada. Detesto pedir desculpa! Sinto-me frágil e sinto que te esqueces de todo o papel que tens e sempre tiveste nisto tudo – E não sei que te diga. É que… o pior também é que sou sempre eu que não sabe o que dizer…
- O quê? – perguntas, parecendo genuinamente confuso, enquanto se sentas na espreguiçadeira.
- Sou sempre eu que não sabe o que dizer, porque sou sempre eu que quer dizer alguma coisa! Tu pensas sempre que não falar de nada é a melhor maneira, mas adivinha, não é…
- Eu não quero começar outra vez…
- Claro que não queres começar outra vez. É incrível como me dás razão de maneira tão fácil, sem sequer te aperceberes… – digo, a meia voz, dando-te as costas. Ouço-te levantar e entrar. Como me odeio por querer ir atrás de ti. Sinto uma energia entre os nossos corpos como nunca senti, algo galáctico e inexplicável, que deixa a minha racionalidade a encolher os ombros e o meu coração apertado, desapertado. Batalho contra mim mesma, e num gesto de evidente masoquismo, acabo o meu cigarro com calma, e apenas aí entro no quarto. Vestes-te, sentado na cama – Onde vais?
- Sei lá, vou sair daqui, só sei disso. – respondes, cansado.
- Sais assim, sem mais nem menos? – lanço, mostrando-te o que realmente quero dizer com a minha pergunta.
- Olívia, deixa-te de merdas! Há mais alguma maneira de sair? Estou farto disto. Já não vai dar. Está cada vez pior. Fazemos merda atrás de merda. Tu fazes o que te apetece, jogas comigo,… - sento-me na cama, de lado. Vejo-te, pelo canto do olho, a apertar os teus sapatos.
- Diz-me só isto, Bernardo. Faço-te alguma coisa que tu não me fazes?
- Fazes tudo! Eu não mereço metade das merdas que tenho de aturar contigo! E ainda assim levo com tudo, com as tuas mudanças de humor, com o teu talento especial em estragar seja que momento for… pensas que quando estás feliz tenho de estar, que quando te apetece foder, tenho de foder, que quando te apetece ir aos arames, tenho de entender! – soltas, quase violentamente. Aguento o desespero firmemente, com um rosto que demonstra a mais genuína indiferença. Espero que te levantes. Dizes qualquer coisa mas não consigo falar, com medo de rebentar em lágrimas imerecidas. Deixo-te sair, caio para trás, e molho com lágrimas os lençóis que momentos antes nos tiveram. Penso nas tuas cruéis palavras, em como pode ser possível que digas de mim tudo aquilo que penso de ti. O meu interior alterna entre sentir-se como a pessoa mais injustiçada de sempre, e a pior pessoa que já existiu.

Seremos tão parecidos ao ponto de nos afastarmos irremediavelmente? Estarei enganada e serei mesmo eu o problema? Não, tenho a certeza que não. Mas não consigo aceitar que o facto de sermos tão parecidos nos afaste tanto assim. Como é possível termos noutra pessoa uma parte de nós e isto apenas colocar um abismo de diferença entre cada palavra? Deixo a minha mente vaguear e, certa que voltarás, mais uma vez, procuro no passado onde as coisas começaram a correr mal.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Olívia

Olívia

Acordo. Não me apetece levantar. Sinto-me meio pesada hoje. Sinto que o esforço de ser feliz às vezes pode ser cansativo. Custa fazer o trabalho todo sozinha. Custa e deixa-me e questionar se consigo. Levanto-me e lavo a cara no quarto-de-banho, ao som de Nina Simone. Penso na minha própria sugestão, faz alguns dias. Perguntei, de mim para mim, qual seria o problema de visitar um psicólogo. Sei lá, para ver como é, para ver se me ajuda a tentar fazer algum sentido destas ideias que tenho, dos pensamentos que me ocorrem todos os dias, todos os segundos. Penso. Não só dos maus, concerteza, mas de toda esta confusão de esforços que tenho. Sinto a minha mente a puxar por tudo quanto é lado. Entro no chuveiro, arrepio-me com a água fria e queimo-me com a rápida mudança para água quente. Sinto que o que tenho e o que quero nunca será o mesmo, e se por um lado tento aceitar isso sem problema, por outro vejo tal tarefa como algo talvez demasiado exigente. Sempre me senti assim, difícil de agradar. O que é mais interessante é que, quanto mais tempo passa, não sei se, nem que só por vezes, o que me davam, ou o que eu me dava, era suficiente. Não tenho um caderno onde possa anotar o que me dão, e o que é suficiente, e isso faz com que, pelo sim, pelo não, queira tudo. Entro no quarto e começo a vestir-me, sem pensar em demasia naquilo que levar. Sim, talvez uma opinião de alguém de fora, treinado em ver as coisas com mais clareza, me pudesse ajudar. Se bem que ninguém tem a fórmula secreta…
Pinto os lábios na fila do trânsito lisboeta. Reparo como me esqueci de ligar o rádio, ritual de todos os dias. Inclinada que estou para pensar e questionar, penso se estarei a pensar em demasia, e isso me deixe assim, alheada do que costumo fazer, de como costumo ser. Como é possível pensar-se que talvez se esteja a pensar em demasia? É mesmo disto que falo! Às vezes parece que a minha VIDA e a minha maneira de ser têm de ter sido criadas por alguém. Tenho pensado (claro) nisto, e pensar em Deus é para mim muito aborrecido. Queria a minha existência mais fictícia, como que preferindo ter a minha própria forma de ser, ainda que irreal, do que a realidade de toda a gente.
Chego à escola e estaciono o FIAT à minha própria maneira, e quando saio acendo um cigarro. Vejo umas dezenas de carros novos. Sempre gostei de Setembro e as novas enchentes de professores que vêm contaminar o espírito de velhice das paredes colegiais. Estou prestes a acabar o cigarro e entrar, quando vejo, ao fundo, saindo de um Renault qualquer coisa alguém que me parece um sério candidato a professor mais bonito do ano. É alto, tem cara de poucos amigos, um rosto redondo e veste-se impecavelmente.

- Eduardo, prazer! – anuncia, quando finalmente nos apresentamos, na sala dos professores. A sua voz não é tão firme como imaginava, e vi a sua cara de poucos amigos subitamente transmitir-me alguém muito simpático e interessante. Facto é que, apesar de ser diferente do que aquilo que imaginei, passado uma hora de conversa estou caída por ele. Gostei sobretudo da maneira como a conversa saltava de tema em tema, com um fio condutor invisível mas que me deixava com a confortável sensação de ser ouvida e entendida.

Quando vim para casa, trazia comigo um sentimento diferente. Afastei um pouco para o canto a ideia de visitar um psicólogo, apenas porque alguém fora capaz de me ouvir por horas a fio. Que quero, então? Que me percebam? Penso nos meus pensamentos de manhã, e em como tudo o que eu queria era perceber-me, e questiono a ligação que há, ou não, entre alguém me perceber, e eu própria o fazer. Talvez seja uma perversa mistura entre ter um potencial amante, e alguém com quem conversar ao mesmo tempo, algo de que (quase) sempre fui privada, nesta contagiante VIDA…

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Pedro (Que Sou Eu?)

O que sou eu? O que sou eu e esta matéria que me habita? O que sou eu e estas lágrimas que nunca falam e se limitam a sorrir e acenar timidamente? O que sou eu e esta vontade escrever sem saber o que escrever?
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Não sei nem faço ideia. Não sei o que sinto na maior parte das vezes. Não sei o que sinto porque tento defini-lo. Não o tento estudar e reduzir a variáveis ou merdas assim, mas tento agarrá-lo… e é tão estranho, acredita. É tão estranho porque dou por mim perante a estúpida impossibilidade de agarrar um sentimento, tê-lo e guardá-lo só para mim. Dura sempre menos que um segundo, vive sempre mais fugaz que um arrepio. Desaparece e não deixa nada a não ser saudades. Porque tem o sentimento de ser tão irmão do tempo? Porque tem o sentimento de ser nada mais que uma cópia do incopiável tempo dentro de nós? Nenhum se deixa agarrar, ambos deixam devastadoras pedras pesadas no caminho de quem as viver. Sem o tempo o sentimento não tem como existir, sem o sentimento o tempo não tem por que fazer sentido.
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Ouço uma música excelente. Apetece-me rebentar em palavras, espalhar a minha alma numa virtual folha a4. O que, claro, é uma boa merda, porque nunca, por mais que eu queria, conseguirei definir um milésimo do que sou em palavras. Que caralho, pá… porque tento tanto? Parece que tento o impossível, sempre almejando alcançar a perfeição da perfeita definição dum segundo ou três, preocupando-me mais, quem sabe, com a sua preservação do que com a sua constatação. Viver é excelente. Excelente e excelentemente estranho. Que fazer?
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Que fazer se estar bêbedo para mim neste momento me obriga a não largar o teclado? Bebi vinho, bebi cerveja. Bebi e tais elixires deixam, como sempre, em mim uma energia de espalhar. Nem sei bem o quê, sabes, mas quero espalhar. Batalho e penso em... mas quem sou eu para me achar digno de algo partilhar? Ganho a batalha e penso que, em princípio, todos temos algo valioso para dar. Ou será que sim? Não sei, mas gostava de saber... ui, tirem-me!!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Rita - ;oiuhfeuhfou

Retiro um certo prazer da incompreensão das outras pessoas. Adoro que não me percebam. Que seria de mim se fosse apenas um mais um na mente da pessoa que me olha de lado? Não, não me quero reduzir a isso. Não quero a indecisão que é estar assim tão certa.


Por isso mesmo, gosto de ser o enigma que sou. As perguntas que trago comigo são pesadas como uma cruz de tijolo. As perguntas que trago comigo arrastam-me para o chão e quase me fazem lambê-lo. Os passos arrastam o meu espírito por uma qualquer clareira de estupidez sem razão nem sentido. O que ofereço ao mundo tem como retorno tudo aquilo que quero ter. Falho completamente ao interpretar seja que sorriso. Não quero saber. Não quero saber. Quero apenas ser eu, sozinha, e caminhar entre os mortos como qualquer ser aparentemente vivo o faz.


No fundo acredito que a minha consciência desta morte vivida apenas me deixa mais perto de ser do que o meu amigo mortal. Quem sabe o estado em que me encontro seja um salto qualitativo, onde tudo é diferente, onde eu, Rita Real, posso ser apenas esta lágrima de coisas que não existem. Quem sabe eu posso ser um átomo num outro mundo que não existe senão para fazer com que, na cabeça de alguém, tudo seja feliz.

terça-feira, 5 de maio de 2009