terça-feira, 27 de janeiro de 2009

K.I.S.

Sinto palavras que quero dizer acumularem-se na minha mente. Aos pontapés lutam por um lugar, por um materializar de tudo o que não sinto, de tudo o que sinto e não quero sentir, de tudo o que não sei nomear… Deixo a tocar uma música qualquer de Zero 7 e saio à rua para fumar um cigarro. O tempo, que merda de tempo… Tento não sair demasiado, fazendo apenas os possíveis para que não me molhe. Vejo a chuva rebentar no chão, misturando-se de certa forma com estranhas gotas de alguma coisa dentro de mim.
Saio do meu corpo por uns instantes e entro no vendaval diante de mim, criando uma certa harmonia com os furacões que sinto vasculhar os cantos da minha mente. Vejo-me de braços abertos, imune aos carros que, cansados, passam à minha volta, imune ao frio solitário, imune a tudo menos aos pensamentos de que não me consigo livrar.
Debaixo dos meus pés o alcatrão que, mais cedo ou mais tarde, me levaria até ti, sejas tu quem fores. Penso quanto tardaria a chegar até ti, se me deitasse a correr o mais rápido que pudesse. Quem sabe, imune fosse eu também ao cansaço, estaria do teu lado mais cedo do que imagino… Quem sabe, se tudo fosse um bocadinho diferente, se cada um de nós fosse um bocadinho diferente nunca teria de deixar de te ver. Quem sabe… quem sabe se eu não fosse bom a escrever não escreveria esta merda que nada me faz senão afundar-me mais na profunda inocência do não-saber…

Sento-me na cama, sento-me na secretária. Penso nas palavras que me disseste e questiono porque será que tudo tem de ser complicado. A inocência do não-saber… a inocência de não saber o que te dizer, de mal saber o que me disseste deixa-me encurralado, fechado num canto algures dentro de mim, sem saída possível senão um terrível silêncio que me assusta mas que me seduz. Repito para o ar as palavras que me ofereceste da última vez que nos vimos, daquela vez em que te devolvi apenas um misterioso e sensual sorriso, que nada mais era que o único disfarce que tinha para devolver, face a minha total ignorância e inabilidade em perceber os teus significados nem sempre precisos.
Penso no quão estúpido serei, penso se será normal que veja com tanta dificuldade esta empreitada de perceber as mensagens escondidas nos lábios de uma mulher. Dou uma olhada ao meu passado e revejo as vezes que me deitei acompanhado. Não as consigo contar… 31 anos de existência e um palmo e meia de cara fizeram com que tenha acumulado um número confortável quando partilhado em banais conversas de café. Porém sinto que, ano após ano, fico cada vez mais estúpido. Já não salto para relações, já não salto para ninguém, porque desta vez quero acertar…
Desta vez quero acertar e isso faz-me pensar como, tantas vezes no passado pensei ter acertado em cheio, quando estava profundamente errado. Faz-me pensar em como era tão brilhante não pensar, entrando, mergulhando em cada alma leve e descontraidamente, procurando com leviandade uma outra parte de mim que, com um sorriso me dizia para continuar a procurar. Agora quero acertar, e ouço as palavras que me dizem com uma atenção que nem sabia ter. Dou voltas e mais voltas à minha cabeça, dou voltas e mais voltas às frases que me dizes… penso, mais uma vez, se estarei mais estúpido e me estará a escapar o óbvio, apenas para, cedo, perceber que não… simplesmente esta inocência do não-saber manifesta-se tardiamente, fruto de demasiados dias ao sol, de demasiadas fugas de mim mesmo, de demasiadas demasias…
Sinto-me como um professor que não sabe ler, e isso mata-me por dentro. Sinto que posso escrever o que quiseres acerca do que sinto por ti, sabendo eu que te deslumbrará, mas sinto que não o sei fazer se o quero relacionar com aquilo que sentes por mim… porque não faço ideia… Penso na tua cara e nos gestos que me lançaste, misturo com as tuas palavras o resultado apresenta-se insolúvel…

- Alexandra, tudo bem?
- Tudo óptimo Luís! E contigo? – responde, do outro lado da invisível linha. Entusiasmo, marasmo? Não sei, mas parece-me entusiasmo… Desde quando sou este conas que questiona um mero cumprimento?
- Queres ir tomar café?

Quando chega à minha beira traz consigo a usual atitude mais ou menos indecifrável. Como pode ser algo mais ou menos indecifrável? O seu aroma é o mesmo, o seu tom de voz o mesmo, tudo é o mesmo menos eu que, nervoso, me levanto para a cumprimentar, batendo com a perna na mesa, derrubando uma chávena de café na sua bolsa de pele branca. Tento perceber a sua reacção como nada mais do que aquilo que vejo. Uma expressão de surpresa, seguida de um descontraído sorriso e um levantar de sobrancelhas que me diz que está tudo bem, para não me preocupar.
Os primeiros minutos passam problematicamente. Quando há tanto que se sente, tanto que se quer dizer, cria-se como que um engarrafamento emocional, funcionando nós apenas em auto-piloto, que nada mais sabe do que falar do tempo, trabalho e, por vezes, no caso das versões mais actualizadas, da última semana. Deixem o auto-piloto a falar de sentimentos e o choque é certo. Contudo, uma vez ultrapassada esta desconfortável congestão, algo mudou. Não sei se Alexandra reparou na minha atrapalhação e decidiu ajudar, ou se eu próprio de repente subi de escalão… ou se a cerveja ajudou… Quem sabe um pouco de tudo.

- Então, Luís, explica-me lá a tua confusão… – diz-me, passado um pouco, quando se volta para mim, depois de pedir um whiskey com seven-up. Apanha-me um pouco de surpresa.
- Bem, posso dizer-te, desde já, que me sinto confuso em relação ao teu pedido.
- Não é bem, um pedido, talvez uma… sugestão.
- Pois, acredito perfeitamente… E, como vês, está à vista a minha confusão. Mas jogos à parte, que queres dizer mesmo? – pergunto, fingindo não perceber o que quer dizer, ou esperando que eu esteja enganado com a minha própria interpretação.
- Pá… apetece-me dizer-te, sugerir-te, ou mesmo pedir-te para te deixares de merdas, porque sabes muito bem do que estou a falar, mas
- Repara que estás a dizê-lo sem o dizer – interrompo, a meia voz.
- … mas vou alinhar e explicar-te direitinho. Ok, não direitinho, mas mais ou menos. Sabes que te vejo como um enigma… Desde que te conheci, ainda que apenas soubesse o teu nome e tu o meu, e nada mais, que sempre te vi a mexer-se nestes meios como um pássaro no céu. Mas comigo vejo-te muito estranho!
- Estranho?
- Sim, estranho. Fazes cara de puto envergonhado sempre que nos encontramos. Isso é o quê? – penso que rumo quero tomar com esta conversa. Vejo duas nítidas e distintas opções. Do lado esquerdo a consequência misteriosa fruto da verdade como antecedente… do lado direito o controlo da conversa pela manifestação da ausência de controlo em relação ao seu tema.
- Não sei… – parece a opção da direita, mas na verdade é a da esquerda… – Contigo tenho reacções e… sentimentos que não tive dantes, e isso deixa-me um bocado… atarantado, digamos. Talvez isto de não saber o que fazer passe como misterioso, não sei… e repara que estou a ser muito sincero agora, não sei porquê…
- Pois, estou a ver… – sinto a sua expressão comunicar mais do que ela me quer mostrar. Por uma vez, creio perceber exactamente o que vai dentro de si. Vejo uma certa desilusão… – Engraçado como continuas a ser diferente, mesmo quando pões a nu a razão pela qual tens sido diferente até agora… Gosto! – diz, com força, os olhos brilhantes. Percebo ter errado, afinal, na minha interpretação – Que sentes, então? – começa a fazer-me confusão a conversa, facto que decido partilhar…
- P’ra ser sincero, sinto-me meio desconfortável com esta conversa e apetece-me mudar de assunto… não que queira mesmo, mas apetece-me, e sinto-me meio estúpido por isso…
- Porquê?
- Porque é que me sinto desconfortável com o tema, ou porque é que me sinto estúpido em querer mudá-lo?
- Ambos.
- Pá… Sinto-me desconfortável porque, para ser sincero, nunca tive este tipo de conversa com outras mulheres. Não só nunca me senti assim meio desamparado como me senti, ou sinto, contigo, mas também, e especialmente, nunca falei destas m… coisas. Nunca me pus tanto a nu, como dizes, se é que percebes… Sempre foi muito mais fácil manter o assunto em temas superficiais e divertidos, como se… – faço uma pausa, para me organizar um pouco, perante o olhar atento de Alexandra – É assim… se calhar não somos todos tão seguros como gostamos de mostrar que somos. E se mostrarmos apenas aquilo que queremos mostrar, que está sob controlo, talvez possamos manipular melhor a opinião que se forma acerca de nós… – desta feita a pausa que faço não é para me organizar, mas espero, apenas, ouvir a sua opinião. Quando se mantém calada, percebo que não respondi à segunda questão – Sim, claro… e a razão pela qual me sinto estúpido com o facto de querer mudar de assunto é que… talvez ficasse melhor, ou mais confortável, vá lá, por agora, mas isso era só mais uma escapatória, e daí que diga que, ainda que me apeteça, não quero!...

Quando acordo, na manhã seguinte, ainda não percebo muito bem o que se passou na noite anterior. Levanto o braço de Alexandra, deslizo pelos seus lençóis verdes claros, e vou preparar um café. Tenho alguma dificuldade em perceber como é que, precisamente quando penso que estou a perder toda e qualquer hipótese de alcançar bom porto, vejo-a sair da sua cadeira, sentar-se no meu colo e beijar-me. Incrível! E o mais incrível é que o beijo foi terrível! Sentia-me tão à vontade em manifestar o que dentro de mim ia que decidi não parar, e aquele beijo foi a mais simples e crua manifestação da minha surpresa. Eram dentes por todo o lado, baba e sorrisos. Sim, talvez não tenha sido assim tão mau…
Sinto-me contente e divertido. Depois da conversa de portas abertas que tivemos, passamos para si, e depois para um milhar de temas. Incrível como as coisas podem ser tão simples uma vez que nada se queira ser senão o que realmente se é. Quando me senti perto de a perder, descobri estar errado. E uma vez que descobri o caminho onde me encontrava, nada tinha a fazer senão explorar a nossa compatibilidade da maneira mais natural possível.

Vejo as palavras que atravessam a minha mente como mais simples. Sinto-me mais organizado e menos desesperado. Interessante. Não sei, nem faço ideia, o que será de nós, mas sei certamente que nunca me senti tão perto de alguém como de si na noite anterior, e nesta manhã, ao acordar. Não memorizo estratégias, não aponto truques. Não penso em nada senão na simplicidade a quem tantas vezes pedi para desaparecer.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Escolhas

Não sei bem o que fazer agora. Que pena é que a VIDA não venha com um manual de instruções… Olho à minha volta. A destruição que vejo ao meu redor entra em combate com a paz que ganhei nos últimos dois anos e que tento fazer permanecer. O peso da solidão faz-se sentir, mas tento, ainda que por vezes em vão, combatê-lo, com o tão útil “agir como se” (tudo estivesse bem), que vai perdendo as suas forças. O desaparecer do sentimento de isolamento no mundo está à distância dum par de telefonemas, dum par de pedidos. Sento-me na cadeira e penso no paradoxo que é o facto de sentir que a única maneira de não me sentir tão só, neste momento, seria entregar de novo a minha VIDA ao destino cruel de uma agulha qualquer. Com tudo isso vêm os “amigos” de novo, e o sentimento de solidão é mascarado com pessoas que procuram o mesmo, ou com um tiro de heroína, que não o mascara mas o afoga, assim como o faz com todos os restantes sentimentos. Penso se quero sentir o que sinto, ou se prefiro voltar a não sentir. Encosto-me para trás na cadeira, acendo um cigarro.

O tratamento por que passei acabou faz uns anos… Depois de sair, a ilusão de que estava completamente curado ainda se prolongou por algum tempo. Diria mais do que o esperado, mas se esperasse que acabasse, não seria grande ilusão, creio, mas a consciência de que aquilo que se sentia não era real. Na verdade, desde o primeiro dia até um dia qualquer (que vivi há pouco tempo) vivi acreditando que a droga fazia parte apenas do passado, sem me aperceber que, na medida em que o passado faz, por mais que não queira, parte de mim, da mesma forma a substância milagre também o faria. Nunca tive problemas com a bebida, ainda que tantas vezes mo fizessem acreditar nisso enquanto em tratamento. Nunca percebi muito bem. Não tanto os técnicos, mas os meus colegas residentes, pelo facto de terem problemas com o álcool, pareciam não perceber como outras pessoas, também toxicodependentes, não teriam necessariamente que ter. Certo é que me encharcava uma ou duas vezes por semana, mas nada do outro mundo, nada que uma pessoa “normal” não o fizesse. Sim, normal. Porém, apesar de, como dizia, não ter tido nunca problemas com o álcool, ainda me mantive longe da dourada tentação por alguns meses, prolongando o recorde longe dos copos para 30 meses.

- Se já estiveste tanto tempo longe e tens estado bem, para quê beber, Niklas? – dizia-me um jovem vestido de branco, sentado no meu ombro direito.
- Niklas… sabes que beber nunca foi algo com que tivesses problema, e ainda assim já andas sem isso há mais de dois anos! Para quê continuar? Não achas que já provaste algo a ti mesmo no que a isso diz respeito?! – contra-argumentava o ardiloso personagem empoleirado no outro ombro.
Acabei por dar ouvidos ao diabinho, e numa saída com alguns dos poucos amigos que mantive, atrevi-me a beber uma cerveja. Recordo-me do desgosto terrível e incompreensível que senti dado o primeiro gole. Falando racionalmente, creio que não foi, efectivamente, algo terrível ter recomeçado a beber… todavia, algo dentro de mim ruiu, algo muito frágil e pequenino, mas que deixou mais frágeis outras estruturas cujas fraquezas sofro agora. Bem, já não sei se falo racionalmente ou não. Sei que não estava bem preparado para isto…
Continuando… depois dessa noite, em que me emborrachei fortemente, outras noites vieram. Cheguei a assustar-me com o meu padrão, pois nas primeiras duas semanas fi-lo com muita frequência. Felizmente, depois destes 15 dias de festa e inconsciência voltei a um ritmo, suponho, aceitável. O que não foi aceitável foi o que veio de seguida.

- Nem penses!! – dizia o anjinho, nem se esforçando sequer com mais argumentos.
- Niklas, sabes que o teu grande problema era a heroína… e daí tens de te manter afastado. Mas um charro de vez em quando nunca te fez mal. E se não te aliviares com uma moca aqui e ali, vais começar a flipar e vais querer algo ainda pior que alivie esse flipanço… – “estou fodido” – pensava eu próprio ao ouvir estes dois argumentos, de alguém que me queria um desprazeiroso bem, contra alguém que me queria um prazeiroso mal. O pior era que a minha indecisão entre estes dois lados da acção deixavam-me numa ansiedade terrível, e esta ansiedade fazia-me pender nitidamente para o alívio dado apenas por um bom charro… Estranho como apenas se cem por cento certos de algo o “bem” pode vencer, e como a indecisão joga tão favoravelmente para o outro lado. Na verdade será sempre mais fácil estragar do que criar, ou manter algo bom, isso não é nada de novo, sabemo-lo bem…

Apesar de nunca ter percebido muito bem a necessidade que nós, não apenas os toxicodependentes mas os humanos em geral, temos de testar os nossos limites, aprendi em tratamento que não teria de o perceber, desde que jogasse pelo seguro, tendo sempre em mente que a recaída poderia estar à espreita em qualquer esquina, caso não jogasse as cartas certas. O jogo de que disponho não é mau de todo, mas tenho poucos ases. Sempre achei que se não fizesse bluff e jogasse pelo seguro poderia sair a ganhar. Mas a piada de viver sem o bluff é algo a que nunca me habituei, e quem sabe nunca me habituarei.

Sentindo todos estes receios, e necessitando de um aliado ao anjo que lutava, no meu ombro, por se fazer ouvir, marquei um café com Bjornstein, para que pudesse contar o que se estava a passar, os passos estúpidos que estava a dar e pedir ajuda para evitar que acabasse onde sempre acabou.
- Como estás? – perguntei-lhe, assim que o vi, quase não lhe dando espaço para ser o primeiro a o fazer. Sinto-me algo irrequieto, batalho com a necessidade de lhe contar que estou a um passo dum charro, a alguns de males maiores… Quero contar, mas ao mesmo tempo tenho um estúpido receio de estragar a imagem perfeita que tem de mim, de não ouvir mais os rasgados elogios que me tece, com que adorna o meu percurso na Comunidade Terapêutica…
- Estou bem, muito bem, felizmente! – respondeu, cheio dum energia que apenas me fez querer espancá-lo. Sinto-me mal com sentir isto, mas a inveja que senti deixou-me quase tonto. Vi-nos a nós os dois, sentados no Mono, um cheio de confiança e com tudo a correr perfeitamente, e outro, eu, sem saber o que se passa, porque se passa, e acima de tudo, o que se passará. – E tu, como estás? – devolve. Quero dizer o que vai dentro de mim, mas não consigo. Não quero verbalizar a minha estupidez. Quando se vive constantemente a fazer merda, é-nos estranho começar a agir bem… é-nos estranho pois ouvimos palavras que não sabíamos já existir… Palavras de afecto, incentivo, de amor. O espanto é tão grande que somos inundados por um medo terrível de o perder, como cada elogio e prova de afecto seja a constante lembrança de que só temos mais uma oportunidade, mais uma cartada, e já a jogamos… Nem o simples facto de ter aprendido a pedir ajuda me salva. Vejo tudo e todos, a excelente equipa técnica com quem trabalhei, a pedirem-me para eu pedir sempre ajuda, e da maneira mais estúpida e inconsciente, dou voz apenas ao que quero ser, esquecendo quem estou realmente a ser…
- Estou bem, corre tudo perfeitamente, se queres que te diga! – ouço estas palavras abandonar a minha alma, ditas de uma forma impressionante. Tal é o meu entusiasmo que quase me acredito no que digo…

Ficamos por ali cerca de uma hora mais. Niklas bebeu uma Coca-Cola e eu, apesar de me apetecer uma cerveja, fiquei-me por um café. Não falamos muito mais acerca de como estávamos ou deixávamos de estar, e devo confessar que foi bom, pois consegui, ainda que por momentos, afastar-me um pouco de mim. Nada como a capacidade de não pensar…
Foi nessa mesma noite que chegou o momento. O momento em que vi que ainda que a droga fizesse parte do passado, nem por isso deixava de ser parte de mim… e que se assim era, um charro apenas por ínfimos e insignificantes instantes faria parte do presente. Uma vez acabado, quem sabe conseguisse arrumá-lo, quieto, na gigante caixa na minha mente, que era a caixa do passado.
Não me senti arrependido de imediato. Não precisei de mais que quatro passas para me sentir instantaneamente a voar. Os meus braços ficaram mais leves, o meu cérebro mais frio, os meus temas de conversa mais sem sentido. Porém, toda esta ausência de sentido e todo o reviver destas sensações foi algo que apenas me fez fumar mais, e mais, e mais, até que adormeci no sofá… Quando acordei não sabia onde estava. Recordava-me com dificuldade de como tinha ido parar àquela festa, àquela casa, àquele charro…
Se dantes, das primeiras vezes, me sentia bem e como um menino rebelde, desta vez fui acompanhado até casa por um sentimento de culpa pesado e lúgubre. Tinha ansiado por este momento. Todos temos um mecanismo de auto-destruição, e funcionando movido por esse mesmo mecanismo, antecipava e rejubilava com esse sentimento de culpa que me deixa com uma dor inconfundível no peito. Todavia, uma vez que vem, não tenho como dele me livrar. Sinto como a desilusão personificada, como alguém sem valor nem direito à felicidade. Sinto-me, acima de tudo, profundamente assustado, pois sei onde estes tipos de sentimentos geralmente me levam…

Não quero ver ninguém, não quero ver nada senão a minha parede nua que nada tem para me oferecer. Sinto-me já recaído, sinto que o vou fazer a qualquer momento, e sendo assim, penso porque não o fazer de imediato? Porque não ir directo ao assunto e não sofrer mais? Porque não acabar com estes pequenos passos e entregar-me de uma vez por todas. Tremo bastante, sinto-me nervoso, ansioso, excitado. Vou ao quarto de banho, estou branco como a neve, tenho uma expressão de pavor que me leva para o passado. Tanto tempo, tanto tempo! Não posso ter passado tanto tempo para sair, e apenas um par de semanas para voltar a entrar. Preciso de ajuda mas não a quero ter, ninguém me consegue ajudar! Vomito o pouco que tenho no estômago, sento-me no quarto de banho a tentar reunir-me por uns segundos. Levanto-me, tenho a porta à minha frente. A porta vai levar-me à estação, o meu olhar vai pedir tudo o que preciso por mim. Tenho a porta à minha frente e o meu telemóvel dentro do bolso. Penso na ajuda que não quero ter, penso que tenho de decidir. Talvez dramaticamente, vejo a minha VIDA reduzida a duas opções, reduzidas a um pequeno momento, que está a acontecer agora mesmo. Não é o passado, não será o passado mas um presente lamacento que se estica, misturando tudo de uma forma agoniante. Escolho.

- Bjornstein, preciso que venhas aqui, não estou bem…

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Rita [Foste]

Agora foste. O que me separa de ti é um não-saber. Uma nova etapa dentro desta pequena fase. Em pouco tempo tanto vivemos. Subimos, descemos, subimos… Tudo aos tropeções, tudo ao sabor do momento, nunca do destino. Em cada partida sempre um “até já”, apenas para hoje te ver ir e pensar num “até”…

É estranho. Ouço a nossa música, quase sem querer, e sinto aquela tristeza, já não tanto a quentinha, mas aquela um pouco mais fria e inquieta. O dia, como tem de ser, vestiu-se a condizer, e brinda-me com pesadas e sombrias cinzentas nuvens, apenas a adornar a realidade. Bem, assim o é, assim o será.

Longe de casa, quem sabe estaremos mais perto de nós, para o melhor e para o pior, para o que der e vier. Tens diante de ti meses de loucura, eu tenho diante de mim anos de algo que ainda não sei bem o que é.