quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

J_U_S_T__I__ç_a

Quando o vi não consegui acreditar. Era ele. Abri bem os olhos, tentei controlar o meu furacão interior e cravei o meu olhar na sua figura, na esperança de que olhasse também para mim. Não conseguia perceber o que se estava a passar, não conseguia perceber o que estava a sentir. Quando pensava já o ter ultrapassado de vez, acontece-me isto. Mas não me quero acelerar...

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Estava a tomar café na Vénus, enquanto esperava umas amigas. Lia, descontraidamente uma revista qualquer, lia sobre os outros, como sempre. Pensava no que a minha VIDA se tinha tornado… 4 filhos, trabalho, ler revistas estúpidas, dormir, ver a novela, comer… a excitação, essa não a via fazia muito tempo, muito tempo…. Acho que foi por isso que, ao ver o Eduardo entrar pastelaria dentro, senti o que senti. Senti que parecia que o meu último sentimento tinha sido consigo. O meu marido não despertava em mim o mais ínfimo sentimento já. Apenas a resignação dum casamento aparentemente feliz, filhos que adoro, dias que quero que passem.

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Olhou para mim. O seu sedutor sorriso abre-se, os olhos parecem brilhar, quero acreditar, e aproxima-se.

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- Adriana! Será possível? - “E será possível que te tenha deixado partir?”, penso. Passados os 15 minutos iniciais de conversa circunstancial, vejo, através do vidro, uma amiga minha a chegar. Não queria estragar aquele tão precioso momento, e pergunto se não quer ir tomar um café a um outro lado qualquer. Para minha surpresa, aceitou. Consegui fugir a tempo, agradecendo mil vezes ao pesado trânsito conimbricense em hora de ponta.

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[Essa tarde tem muitos nomes. Acho que me permiti recuar no tempo, voltar aos tempos de estudante, em que vivia essa paixão desmesurada, um amor louco, selvagem, mas que acabou. Parece estúpido, mas não me conseguia lembrar como, ou porquê, tinha acabado. Claro que de vez em quando era chamada à realidade, quando insistia em falar do seu casamento, e manifestava a profunda tristeza em não conseguir ter um filho. Quando lhe disse ter 4, dizia, na brincadeira, que lhe podia dar um.]

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Eis que, quando estava à espera que dissesse que tinha de ir, ele me consegue surpreender.

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- Que dizes de inventarmos cada um uma desculpa para não jantarmos em casa e irmos beber um copo? Pelos velhos tempos…

- Estás a falar a sério? Bem… por mim tudo bem, mas nem preciso de desculpa, o meu marido tem uma reunião qualquer, não vem jantar. Tenho só de pedir à minha mãe para olhar pelas crianças enquanto não chego.

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Acho que não vale a pena dizer o que se passou de seguida. Realmente fomos beber não um, nem dois, mas copos atrás de copos, “como nos velhos tempos” e a determinado momento, estamos nós sentados numa esquina do English Bar, ele aproxima-se.

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- Sabes que eu, de certa forma, nunca te esqueci. – atira, enquanto deixa a sua mão esquerda descansar na minha perna, um pouco acima do joelho. O seu braço direito abraça-me subtilmente.

- Sabes que eu, seja de que forma for, nunca te esqueci. – respondo. Sinto-me sensual, e sinto que ele sente o mesmo. Sentir, sentir, só penso nessas palavras quando estou com ele. Não quero pensar em nada naquele momento. Não quero pensar que tenho um marido e família, que tenho responsabilidades, que tenho uma rotina desesperante… quero voltar a ser a miúda apaixonada pela VIDA, impulsiva, que se entrega às emoções. E assim o faço. Agarro-o com o meu olhar, puxo-o, e beijamo-nos. Ele sobe a sua mão direita, agarra-me gentilmente na face, e responde ao meu beijo apaixonadamente. Descola os lábios dos meus, aproxima-se do ouvido.

- Astoria?

- Vamos…

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É-me difícil explicar como amei cada segundo de toda aquela aventura. Sorria ao pensar que o termo “aventura” para “um caso” não podia, nesse particular caso, estar melhor aplicado. Porque sentia-me realmente, como numa aventura. A adrenalina abundava, o desejo era enorme, o sentimento era ameaçadoramente delicioso.

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Não demoramos muito a chegar ao hotel. Não lhe disse, naturalmente, mas eu não fazia amor há mais de meio ano. E não fazia amor com o Eduardo quase há meia VIDA. Talvez por isso tenha sido tão fantástico. Cada momento.

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- Adriana, tenho algo para te dizer. – Está deitado por cima de mim, não já dentro de mim. Penso em mil coisas que me possa dizer, ou pedir. O meu coração pensa noutras quantas. Quero dizer que sim. Seja o que for, quero dizer que sim. A sua expressão vai ficando mais carregada, a cada batida do meu coração. Os meus olhos embaciam-se. Que me aguarda?... – Eu não fui totalmente sincero contigo… Eu… de certa forma, engendrei o nosso encontro. – acho que o pico de alegria que senti quando o ouvi dizer isto foi, esse sim, ainda mais curto que uma batida seja de que coração for. Durante esse milésimo de segundo permiti-me pensar que engendrara o nosso encontro porque tinha saudades minhas, porque queria ver-me, estar comigo. O meu pensamento voltou à realidade mais eventualmente assustadora quando vi que a sua expressão carregada não se alterara. Quando me relembra do que tinha dito acerca de não conseguir ter filhos, o meu coração pára. Quando continua a falar e explica a sua teoria, do mais cruel, mórbido que já ouvi, a minha respiração pára. O pedido adivinhava-se a qualquer segundo. Os olhos, esses há vários minutos abandonaram a condição de embaciados, humedecidos, e davam a conhecer o que ia dentro de mim, deslizando as lágrimas silenciosas pela minha face. Não sei o que se passou dentro de mim. Nunca imaginara um pedido daquela natureza, pedir algo tão forte, arrasar-me completamente enquanto ser humano. Sentia-me como um pedaço de qualquer coisa, um pedaço de nada, um pedaço… um pedaço de coração despedaçado. O que restava, e isso era o mais estúpido, o que restava do meu coração, batia por Eduardo. Viajei muito rápido, a viagem foi efémere. Numa tarde renasci, vivi a juventude, e num momento envelheci, com a perfeita consciência diante de mim, de que não havia qualquer voltar atrás. As mãos, que frias descansavam nos lençóis, elevam-se, acariciam a sua face. Tento ser mais eu. Tendo ser mais eu em cada poro da minha pele que sente ainda o seu corpo de encontro ao meu. Digo que sim, lentamente, com a cabeça, enquanto reúno forças para falar.

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- Sim, Eduardo, eu faço isso por ti. – A sua expressão não muda, mas sinto, quem sabe erradamente, seus olhos brilhar um pouco mais. Estou dentro da cabeça dele e antevejo cada pensamento. A expressão adquire uma tonalidade de dúvida. – Não precisas de te preocupar com isso. Tudo esteve do teu lado hoje.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Justiça

Mind’s Eye - Wolfmother

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“Se quase toda a gente pode ter os que quiser, porque é nós não podemos ter só um? Só um…” – penso. Era o que tínhamos vindo a dizer um ao outro. De início acho que funcionava como uma espécie de desculpa, um tentar convencer-nos a nós próprios que não era algo assim tão errado. Mas, à medida que o tempo foi passando, e o plano evoluindo, comecei mesmo a acreditar, ou melhor, a compreender, e perceber que faz perfeito sentido.

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Quantas vezes tínhamos tentado, quantas frustrações… Parece que foi Deus, o meu Deus sagrado, que tantas vezes me castigou, mas que de repente me deu uma oportunidade. Por coincidência, soubemos que uma pessoa ia ter um. Mal soubemos da gravidez, e após interiorizarmos vezes sem conta a realidade, isto é, que também merecíamos um, começamos a planear tudo. O primeiro passo foi contar aos pais e aos amigos.

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- Pai, consegui, estou grávida! – A alegria de todos parece que foi quase maior do que a nossa até seria, pelo que mais me convenci que estava a fazer o que era certo. A partir daí começamos a disfarçar a barriga, com muito cuidado e progressivamente. Com um pouco de cuidado e esperteza, escapávamo-nos de eventos como idas à praia, piscina, enfim, tudo o que pudesse pôr a descoberto o nosso segredo. Para nosso azar, ou a pessoa que ia ter não tinha querido saber o sexo do bebé, ou nós não o tínhamos conseguido descobrir, pelo que dissemos a toda a gente que preferíamos descobrir na hora. O meu marido, dedicado como sempre foi, por volta do quinto mês, quando já tínhamos quase toda a roupa do bebé, oferecida um por todos os familiares e amigos, em tons de amarelo, já tinha descortinado todos os hábitos daquela numerosa família, bem como as fragilidades e faltas de cuidado na sua casa. Claro que tivemos o cuidado de arriscar o plano com alguém que não conhecêssemos.

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- Estou grávida! – Ouvi-a dizer às amigas no café. Não consegui descrever a profunda inveja que senti e sentido de injustiça ao saber que aquela mulher, que já tinha 4 filhos, ia ter mais um! Mais um! Remoía constantemente nisso, não conseguia deixar de me sentir como o ser mais negligenciado por Deus! Tinha de partilhar a raiva e ódio desmesurados e sem sentido que sentia, e fi-lo, naturalmente, com o meu marido. A surpresa foi enorme, mas deu lugar à esperança.

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- Não percebes esta oportunidade!! – diz-me. Tinha acabado de lançar uma ideia que me parecia absurda. - Tu não percebes? É perfeito meu amor! Eles têm quatro filhos! Eles se quiserem deitam-se e têm outro passado menos de um ano! E nós? Temos de aceitar esta merda de VIDA, envelhecer sem ter alguém de quem tomar conta? – As ideias começaram a bailar na minha cabeça, mas rapidamente pararam, e começaram a assentar realmente, começando a perceber que realmente até fazia sentido, e o que o meu marido dizia não estava tão errado assim. Era simples, fácil, e acima de tudo, era justo.

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- Querida… – diz-me ele um dia, estava eu sentada a tomar um chá, enquanto fazia festas na minha barriga de borracha. – Já nasceu! – senti-me tonta. Tive de me segurar para não cair. Já não tinha tal injecção de adrenalina há muito, muito tempo.

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- E agora?

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- Agora esperamos. Terça-Feira entro! – diz-me, com uma convicção tão forte que quase estranhei. Terça seria passado 4 dias. Escusado será dizer que esses 4 dias passaram como se fossem 4 anos. Estranho foi que, nesses 4 dias, fizemos amor mais de 10 vezes. A excitação do que íamos fazer, do que íamos ter, misturava-se com a excitação que o outro nos proporcionava, e vivíamos um para o outro, imersos em cada um. Aproximava-se o dia.

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Terça-Feira.

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- Tu ficas aqui! Vai correr tudo bem.

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XY

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Vai correr tudo bem, tenho a certeza. Só pode correr bem. São 4 da manhã, estou na rua desde as 2. Mando-lhe um toque para o telemóvel, avisando que estava tudo bem e ia avançar. Chego à casa, dou a volta e aproximo-me da porta das traseiras. Sem fazer nenhum barulho, consigo dar a volta àquela fechadura do século passado. Sabia que não tinham nenhum alarme. Passo pela cozinha, estou no hall, vejo as escadas e alegro-me ao ouvir o sonoro roncar do marido. Subo, viro à direita, vejo a porta do quarto. Escrito na porta está “Inês e Beatriz”. Agora o mais difícil e arriscado, entrar sem a mais velha perceber, e sem fazer o bebé chorar. Estou nervoso, muito nervoso. Respiro fundo, rodo a maçaneta. Vejo o berço. Aproximo-me e, com todo o cuidado, pego na menina. Tenho-a no meu colo. Rodo e caminho em direcção à porta. A bebé abre os olhos. Peço a Deus para que não comece a chorar. Ao invés, olha para mim. Os seus olhos miram profundamente os meus, na minha loucura imagino que me chama pai com aquele olhar, e solto uma lágrima. Continuo-o a caminhar, estou no hall, olho a criança. Levanto os olhos, surpresa. Vejo a mãe da bebé, mesmo à minha frente, olha para mim, não diz nada.

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- Que fazes aqui? Não era isso que tínhamos combinado! – digo, num sussurro quase inaudível. Ela aproxima-se.

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- Desculpa, mas desde que me mandaste o toque para te abrir a porta não consegui mais dormir. Queria despedir-me de ti pela última vez. – as lágrimas escorrem pela sua cara. Compreendo-a, mas quero ir embora o mais rápido possível. Adriana tinha sido a minha primeira namorada, nos tempos de universidade. Quis o destino que seguíssemos caminhos diferentes. A minha paixão morreu, e encontrei Isabel, a quem amo profundamente. Todavia, sabia que para Adriana, eu tinha sido o seu verdadeiro amor. Então, num gesto inumano, pedi-lhe, certa vez, o que não se pede a ninguém. Manipulei o seu amor, fiz com ela mais uma vez amor, e pedi-lhe, aí sim, o que não se pede a ninguém. Como me recordo. Deitada na cama, as lágrimas a molharem o lençol, disse que sim com a cabeça. Aproximo-me. Adriana aproxima os seus lábios dos meus, e dá-me o nosso último beijo. A criança, no meu colo consegue ver, pela primeira e última vez, os seus verdadeiros pais beijarem-se.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Um Título Qualquer - Onze

Where Eagles Have Been - Wolfmother

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A noite é a mesma, sem tirar nem por. O ambiente, todavia, é diferente. Casado, e com um filho. Antes do casamento, muitos anos de namoro. E nunca nada assim se tinha passado. Penso na imagem que tinha de mim e comparo-a com a que tenho. Como será possível as certezas que temos serem tão frágeis. Haverá realmente certezas?... foda-se…

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Tenho mais de meia hora de caminho pela frente, mas vou a pé. Visto o casaco, enterro o chapéu na cabeça, acendo um cigarro. Caminho lentamente, para poder fruir mais cada passa que dou do meu companheiro. Imagino Godelieve na cama, a dormir, ou a vestir-se, ou a fazer o que quer que seja, imagino-a apenas. No futuro reside uma incerteza. Quero deixar-lhe uma mensagem no Vrijheid, mas a outra parte de mim diz-me que foi bom, e o melhor será parar enquanto nada mais se passa. Tento pensar na minha mulher, para tentar amenizar um pouco o que sinto, para desviar as minhas atenções de onde têm de ser desviadas, mas o pior é que é-me impossível. Sei que amo a minha mulher, e por isso mesmo sinto-me um cabrão em querer pensar nela, e em tudo o que me salta à cabeça ser a imagem indelével de Godelieve… sentada no meu colo, deitada em cima de mim, a fumar, a beber… seja de que maneira for, a imagem é demasiado perfeita e pesada demais para conseguir suportar. Como se a única maneira que tivesse de me libertar fosse esgotar duma vez apenas todos os pensamentos estúpidos que tenho. Pena que seja como um vírus… quando mais penso…

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Chego a casa.

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- Então!? Fartei-me de te ligar! Não apareces para jantar, não dizes nada, não atendes o telefone! – Vejo-a gritar para mim, numa senda interminável. Que selecção de imagem… Não a ouço, não digo nada. Selecciono, sem o querer, todos os maus estímulos, e mais uma vez sem o querer, estabeleço a estúpida comparação do que tive há menos de uma hora, e do que me espera agora, alguém de pijama, cabelo apanhado sem estilo algum, a gritar-me, a trazer ao de cima todas as responsabilidades e deveres que tenho e por momentos esqueci. Claro que ela estava assim porque ia dormir, e claro que estava a gritar comigo com razão, mas a minha própria racionalidade continuava posta de lado, e numa atitude estúpida e arrogante, nem me desculpo, simplesmente digo que “Não planeei bem o tempo…” e vou para a varanda fumar um cigarro. Este não sou eu. O “eu” normal, que eu conheço e sempre existiu, arrisco dizer, o “eu pré-Godelieve”, ainda que cometendo o erro que cometeu, desceria a si e pediria mil perdões pelo atraso, inventando uma qualquer desculpa plausível. Incrível como sei o que posso e devo fazer, e mais incrível ainda, a maneira como não o quero fazer.

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Ela vai dormir. Eu tomo um whiskey, e adormeço na sala.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Feitos Omnipotentes Geram Ovações (De Quem?)

Foda-se! Nem uma sesta de meia hora se pode tirar! Este Agosto está dos piores que me recordo… Levanto-me mal me chamam, o reboliço do costume. Os colegas que tomavam café saem a correr também para preparar tudo. Em menos de 10 minutos estamos no carro.

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- Foda-se pá, será que é do mesmo cabrão? – pergunta-me o Pereira.

- De certeza! 5 incêndios em 3 semanas, achas que é coincidência?... – respondo. Vamos sentados no banco da frente, entre solavancos vamos falando da VIDA que temos tido nos últimos tempos… sempre daqui para ali, sempre com trabalho, e sempre aquela sensação inglória. Acaba um, mas é só um. De certeza que é tudo merda dum gajo que tem um prazer mórbido qualquer em destruir. Nunca me tinha acontecido sentir o que tenho vindo a sentir. Quando conseguimos apagar na totalidade um incêndio, coisa que tantas vezes se mostra impossível, em vez de me sentir com dever cumprido, estou já a pensar em quando começará o próximo.

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- Olha pá – diz-me o Pereira – Sempre vens Sábado? – Está a falar-me do baptizado do seu segundo filho.

- Claro que sim! Agora vê lá se desta vez esperas mais que um ano para ter outro! É que isto de dar prendas de baptizado uma vez por ano não fica barato! – brinco. O Pereira tinha tido o segundo rebento, e o primeiro tinha ainda um ano.

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Quando chegamos, o cenário não é agradável. Os acessos são difíceis, e temos de agir rapidamente para que não alastre para as casas, que se encontram a 2 quilómetros. Mais uma das alturas em que nos sentimos quase inúteis. Milhares de litros de água, 1 helicóptero, e o fogo parece que se alastra duma maneira demoníaca. As horas passam e estou com o Pereira a tentar matar uma das frentes. O cansaço é evidente e o calor quase insuportável. Vemos alguns populares ao fundo a ver, a chorar com medo, outros a tentar ajudar de todas as maneiras que podem. Aconteceu tudo muito rápido. Num momento vem uma rajada de Vento que faz com que o fogo mude subitamente de direcção. Estou um pouco à frente do grupo, e o Pereira uns 10 metros à minha frente. Deixo de ver o grupo, e deixo de ver o Pereira. Estou rodeado de fogo, o calor, que já de Agosto não é agradável, torna-se insuportável. “Estou fodido!” – é a única coisa em que posso pensar. Ouço o grupo a chamar-me e a pedir-me para correr, fugir. Não tenho por onde. O fogo ganha terreno e sinto o calor queimar-me a pele. Apesar de ter uma profissão arriscada, nunca pensei morrer assim… Mas… penso que tenho de tentar sair, dê por onde der. Deixo de ouvir os gritos dos colegas, que me chamam para tentar ajudar, ouço apenas as labaredas fortes e massacrantes. Instintivamente molho-me todo, largo a mangueira e saio a correr. Ao fundo vejo uma saída que me parece estar quase descoberta. Vou a correr, mas rapidamente o fogo a consome. “Não vou morrer assim” – continuo a correr, e furo essa saída. Não faço a mínima ideia onde estou, mas tento recordar-me da minha posição anterior e dirigir-me para perto da equipa. Vou correndo, e, miraculosamente, consigo alcançar a mesma sem ter de furar mais chamas. O meu coração bate desenfreadamente, e o meu susto é tanto que não consigo sentir sequer o alívio de estar a salvo. O Pereira está ao fundo.

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- Foda-se pá, ia sendo desta!

- O Pereira?? – pergunta-me o chefe. Estava de costas. Acho que a minha ânsia de encontrar o Pereira era tanta que me iludi completamente. Procuro o Pereira entre o resto do grupo. A cara de toda a gente é de interrogação, a minha suponho ser de desespero.

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Conseguimos extinguir o fogo no dia seguinte. Encontramos o Pereira passado umas horas, prostrado no chão, carbonizado. Estou em pé, ao lado do seu corpo, uma lágrima escorre-me de cada olho. Penso no porquê disto tudo. No porquê de alguém ter de morrer tentando fazer o bem, salvar o próximo. E penso especialmente no porquê de alguém gerar, propositadamente este tipo de situações. Famílias que perdem as casas, tudo o que têm, pessoas que perdem as suas VIDAS… a troco de quê? A troco de quê? Penso, penso, e não consigo encontrar uma explicação racional para esta maldade genuína que habita algumas pessoas.

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O funeral, apesar de digno, assemelha-se ao extinguir dum incêndio destes. O Pereira, com uma mulher e dois filhos pequenos, perdeu a VIDA, e na semana seguinte, tudo estaria igual. Os rituais não mudam, a maldade de tanta gente não muda, o que será que realmente muda neste mundo?...

sábado, 8 de dezembro de 2007

Feitos Omnipotentes Geram Ovações

Nunca pensei ser assim tão importante. Em determinadas alturas do ano, quase não se fala em nada a não ser nos meus feitos, no que já alcancei. Ele é telejornais, rádio, jornais, não se fala doutra coisa.

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Ainda me lembro de como tudo começou. Foi por acaso. Não tinha nenhuma intenção em particular, mas as coisas proporcionaram-se, e quando dei por ela, eu era a razão pela qual milhares de pessoas se movimentavam. Toda a gente me procurava, queriam-me, mas eu, modesto como sou, sempre preferi ficar na sombra, para quê vangloriar-me? Se o fizesse, nada mais seria o mesmo! As coisas perderiam o seu encanto, a sua especialidade.

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Sei que há quem diga que sou doido. Isto é, há quem diga que o fulano X é doido, mal sabem que sou. Especialmente porque até me movimento com eles, em busca de mim próprio. Se soubessem que a pessoa que caminha ali ao lado, orientado com o suposto mesmo princípio que eles, tenho a certeza que os queixos de toda a gente batiam no chão!

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Às vezes estou em casa, sentado na minha janela, e penso nos meus feitos. Sou importante em Portugal, sou uma razão para as pessoas não estarem sempre a pensar na miséria de VIDAS que têm, arranco-as da estúpida monotonia em que se tornou a existência de cada alma, em particular desta pobre e insignificante vila.

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Nem sempre corre tudo bem. Por vezes há uns palermas quaisquer que topam as coisas a tempo e mandam logo tudo… por água abaixo. Não percebo… quer dizer, até percebo, é o papel deles, o papel que eu lhes atribuo. Sim, porque o grandioso do que faço é que posso tornar qualquer um num herói. Isto parece delirante, eu sei, e às vezes penso nisso, mas não é… vejo-me como uma espécie de enviado, até de mártir, que se sacrifica, fazendo coisas grandiosas, para que outros possam brilhar, não na sombra como eu, mas nos ombros de toda a gente. Quem sabe um dia me mostro, me explico, e aí sim, será o meu dia de glória. Sei que lhes vai custar a perceber, mas assim que perceberem vão perceber o meu sentido, o meu papel neste mundo sedento de algo de que falar.

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Tenho um plano para hoje. Desta vez vai ser em grande. Escolho um local recôndito. Com tudo preparado, basta uma pequena chama, e ver a minha criação acontecer.

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Agora é só esperar.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Por Pouco Pecado - Parte 10!

Warm Sound – Zero 7

When It Falls – Zero 7

The Space Between – Zero 7

Look Up – Zero 7

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Desta feita deixei-a entrar primeiro. Vejo-a, do lado de fora, caminhando ao longo do estreito corredor do quarto. Olha à sua direita, deixa o casaco deslizar pelos seus braços, e lança-o para a cama. Separam-nos uns 5 metros. Os segundos que demoro a entrar, sinto-os como decisivos. Se quando nos encontrámos no Vrijheid, ou quando fomos jantar, tínhamos alguns destinos à disposição, fomo-nos libertando da maior parte, sendo que agora tudo estava reduzido a uma certeza. Bem, uma quase certeza, o que quer que isso seja, já que com quem estava, aprendera que certezas…
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O quarto do hotel é agradável. Sinto-me quase como parte dum roteiro temático de Nieuwe Adelaars, pois desde o Vrijheid até ao hotel, passando pelo restaurante, o estilo vai sendo o mesmo. Tiro o meu casaco, e lanço para cima do seu. Olho para ela. Está sentada numa cadeira em frente a uma enorme varanda que nos mostra a cidade, na mão um copo com alguma bebida que tirara do mini-bar. Trocamos um olhar, olhámos os casacos, e trocamos um novo olhar, desta vez acompanhado de um sorriso mordaz. “Que comparação estúpida”, penso. O quarto tem apenas uma cama, e do seu lado esquerdo vejo uma aparelhagem e uma coluna com cerca de uma centena de cd’s. Copiados. Encontro When it Falls, Zero 7. Deixo a tocar, e começa a viajar pelo quarto Warm Sound, a primeira faixa. Ambiente perfeito.
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Abro o mini-bar, tiro uma pequena garrafa de Martini Roso. Arrasto para o seu lado uma cadeira. Acendo um cigarro. Com o olhar pregado nas luzes tremeluzentes da cidade, sem olhar para mim, estende o braço direito, pedindo um. Acendo o meu, dou duas passas, e passo-lho. Tiro outro para mim.
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- A cidade é fantástica, não é? – pergunta-me. Levanto-me da cadeira, fecho as cortinas e volto-me a sentar.
- Sem dúvida.
– ela sorri. Dá uma passa do cigarro, levanta-se, vira-se, e senta-se em cima de mim, suas pernas ao meu redor. Deixa escapar o fumo para o lado. Apago o cigarro na beira da cadeira e deixo-o cair ao chão. Preciso das mãos desesperadamente. A imagem que tenho perante mim é avassaladora. Sinto suas pernas com ambas as mãos, subo seu fino e delicado tronco. Sinto, com os polegares, ao de leve, os seus seios. As mãos continuam a subir e sinto sua nuca, que massajo. Ela deixa a cabeça cair para trás e arrepia-se um pouco. Levanta o seu braço, faz o seu cigarro chegar aos meus lábios. Baixa a cabeça, olha-me bem fundo nos olhos.
- Tu vais ser o meu Theodoor! – diz-me. Agora são os seus dedos na minha nuca, que me puxam para os seus lábios. Damos um longo beijo. Penso. Consigo separar as nossas bocas.
- Tu vais ser a minha Godelieve – respondo. Não sei porque pensei nesse nome, mas agora tenho como a chamar no meu pensamento. Levanto-me. Ela não saí do meu colo, permanece, abraçada a mim, as pernas como fortes âncoras, os braços à volta do meu pescoço. Reparo que, se fui desleixado, ela muito mais, pois nem se dá ao trabalho de apagar o cigarro, antes de o mandar para a alcatifa beije, que agora terá uma recordação nossa. Estou de frente para a cama. Deixo-a cair, quase violentamente na mesma. Vejo, no ar, os seus cabelos em desalinho, que caem sob a sua cara, tapando-a quase completamente. Vejo apenas uns lábios, que me chamam. Tiro a minha camisa, ficando de tronco nu. Toca When it Falls, a música. Acalma-me duma maneira que não consigo descrever. Ela, ao ver que me libertara da minha camisa, faz o mesmo. Tirando sua blusa. Vejo um soutien, que desaparece no momento seguinte. O que tenho perante mim é a imagem que tantas vezes na minha mente vagueou, desta vez tornada realidade. Os seios não são grandes, mas apetecíveis. Caem em perfeição com todo aquele corpo e rosto maravilhoso. Deito-me ao seu lado. Os beijos saltitam entre a língua, seus mamilos, pescoço. Num instante estamos nus. Ela faz-me rodar, fica em cima de mim. O seu longo cabelo toca na minha face. As minhas mãos passeiam nas suas costas. Sinto com prazer as linhas perfeitas que desenham o seu tronco. Estou calmo, muito calmo, apesar do meu coração bater descompassado com o meu estado de espírito. Tudo é perfeito, e nada mais existe nesse momento, o mundo sou eu… e Godelieve. Dança um pouco em cima de mim, solta uns gemidos baixinho, à medida em que nos tocamos. A sua mão direita desliza pelo meu tronco abaixo, acaricia-me um pouco e, com um jeitinho, somos um, perfeitamente. Sinto o quente que me transmite, a paz que me dá. Toca The Space Between, e ela mexe-se devagarinho, baixando-se de seguida para me beijar.
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Hoje, passado o que passou, continuo-o sem saber quando começou… naquela festa, em que a vi. Quando lhe dei o primeiro cigarro, e abraçou as minhas mãos… quando demos, no táxi, o primeiro beijo… ou quando, neste hotel, o nosso hotel, nos excedemos pela primeira vez.
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Começa a tocar Look Up. Impossível não acompanhar o ritmo. Decido tomar controlo. Faço-nos rodar, e agora sou eu quem… dança. Vou entrando e saindo em si, ao longo de vários minutos, beijos são dados, ferradelas, sorrisos, mentiras ditas ao ouvido, daquelas mentiras que ambos sabemos que o são, mas que têm de ser ditas.

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Quando o cansaço toma conta de nós, e quando ambos já subimos repentinamente, para lentamente descer, paramos. O cd deu a volta, e a primeira música apresenta-se outra vez.
Rodo a cabeça, vejo as horas no relógio da aparelhagem e não acredito ser tão tarde. Chamo o meu pulso, cujo relógio confirma a assustadora verdade.
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- Tenho de ir.

- E agora?... – pergunta-me. Está deitada de barriga para cima, ao meu lado, o lençol tapa-a, a cabeça repousa no travesseiro. Vou para lhe dar o meu número de telefone, quando, com o dedo indicador frente aos lábios, me faz calar. – Quero voltar a ver-te. E sei que ti queres voltar a ver-me. A única maneira que temos de o fazer com perfeição é se não soubermos nada um do outro. Quando quisermos falar um com o outro deixamos uma mensagem no Vrijheid. – de início não percebo o que quer dizer, mas pensando um pouco recordo-me do quadro que tem no bar. Um quadro grande, onde pessoas de todos os tipos deixam mensagens, seja a criticar o governo, a dizer o quanto gostam do bar, ou para comunicar com alguém com quem não têm coragem de falar. Enfim, há de tudo…

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Vou-me vestindo, e pensando no que disse. Não encontro grande sentido em não trocarmos o número, mas não me importo de alinhar.

- E tu? – pergunto, preparado para sair.

- Podes ir, não te preocupes comigo.

Pego no casaco, debruço-me na cama, damos um beijo, e saio. A pior parte agora… chegar a casa e enfrentar-me no espelho…

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Não Posso Mudar

Boa Sorte - Vanessa da Mata e Ben Harper

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A música toca num rádio qualquer. Não podia estar mais em consonância com o meu interior. “Acabou… boa sorte!” – nem tenho tanta a certeza acerca de desejar boa sorte. Mas que acabou, isso podes ter a certeza. Vou ao quarto de banho, lavo a cara, olho para o espelho. “There are so many special people in the world…” – e eu tenho de ficar contigo? Olho melhor. A nódoa negra no sobrolho está a desaparecer lentamente. As pisaduras que me dás são recordações que passam. Por isso mesmo, por passarem, tento fazer com que passem também dentro de mim. Quando vens e me pedes desculpa, o mundo muda. Não consigo negar perante o teu olhar de homem arrependido. O mundo muda, mas… contrariamente ao que penso, ao que quero pensar, as pisaduras que tenho dentro de mim não passam, essas são perenes, e massacram-me o dia-a-dia. Ser a mulher perfeita, fazer tudo perfeito, não falhar, sorrir, ser inteligente, sociável, não beber… nada! Tudo em busca de uma perfeição que sei não existir. Sei… porque mo lembras. Quando chegas a casa nos Sábados à noite, 4, 5, 6 da manhã, encontras-me a dormir, queres-me, eu não quero, estou a dormir… Tive de afastar um pouco a mesinha de cabeceira, fruto das quantas vezes que já lhe dei com a cabeça quando me empurras da cama, pleno em raiva perante a minha recusa.

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Estás no trabalho. É a altura ideal para sair, não encontro o teu olhar que pede perdão e que, não sei porquê, faz-me sempre voltar atrás. A música já não toca, mas fui ao computador e deixei-a a tocar vezes sem conta. Sorrio com ironia quando a Vanessa diz que tudo o que me queres dar é demais, é pesado… não dá mais. Espalho na cama as minhas roupas, coloca-as, uma por uma, na minha mala. Tento não pensar em nada. As lágrimas querem sair, a coragem quer desabar, mas não posso fraquejar. Faço a mala.

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Não me dou ao trabalho de desligar o computador. Vou à cozinha, escrevo um bilhete. “Desculpa, mas desta vez não há desculpa possível” – arregaço um pouco as mangas da camisola ao escrever, e paro meu olhar nas nódoas negras dos meus braços, que me recordam mais uma vez que sair é a única coisa que posso fazer. Sinto-me tonta, preciso de me sentar. Tiro um copo de água, que bebo lentamente, sentada com a mala aos meus joelhos. Ganho coragem. Posso voltar a trabalhar sem problemas, posso não posso? Não sou velha como ele diz sempre… pois não? Não!

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Levanto-me. Cada passo é marcado e sentido, sinto-me como os que fazem a última caminhada, em direcção à cadeira eléctrica. É isso que quero, matar esta VIDA, para começar outra de novo, completamente de novo. Nem preciso de encontrar esse alguém especial que há reservado para mim, pelo menos para já.

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Abro a porta. Quedo-me à saída. Passam dois vizinhos, que me cumprimentam e olham de soslaio para a mala que aguento na minha mão direita, e estranham a minha posição estática, frente a um futuro diferente. Não vejo os teus olhos, mas sinto-os em mim. Não te vejo à minha frente, mas sinto as tuas correntes. Mais uma vez não, por favor. Quero dar o passo, quero sair… mas não consigo. Choro compulsivamente, fecho a porta, sento-me no chão. Estou sentada com os joelhos dobrados, abraço as pernas. Vou para onde, vou para quem? Não tenho nada nem ninguém além desta prisão de portas abertas. A única forma que me permite sair é fazê-lo sabendo que voltarei. Não consigo. Não consigo nada.

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Não é a primeira vez que faço isto…

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Levanto-me, desfaço a mala, desligo a música. Rasgo o bilhete, começo a fazer o jantar.

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Chegas passado uma hora.

- Olá meu querido!

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Onde Comprar "Estórias em Vão"


Amigos, o Natal está aí... :-) Preço do Livrinho - 8,9€

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Para quem teve o enorme azar de não ver contemplada a sua cidade nesta lista, saibam que podem encomendar em qualquer FNAC. Para encomendar numa qualquer livraria, têm de dar os seguintes dados:
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Autor: António Pedro Moreira
Título: Estórias em Vão
Editora: Papiro Editora
Distribuidora: Buk
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Finalmente, podem ainda encomendá-lo na LivrosNet, clicando aqui. Se não estou mal informado, não se pagam portes.
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Entidades Localidade
Sérgio Marques Henriques Silva Albergaria-a-Velha
A Capa de Francisco Manuel Teixeira da Silva Baltar
Librobraga Braga
A Americana-Papelaria e Livrarias Braga
Papelaria Livraria Cabeceirense Cabeceiras de Bastos
Livraria Portugal - Dias e Andrade Coimbra
Nazareth & Filho, Lda. Évora
Livraria Antecipação Funchal
Casa Véritas - Editora, Lda. Guarda
Livraria Solúmen Lamego
A Americana-Papelaria e Livrarias Leiria
Livraria Barata Lisboa
Morais & Pires, Lda. (Papelarte) Lisboa
Livraria Escolar Editora Lisboa
Escola Nova - Livraria Papelaria, Lda Moimenta da Beira
Livraria Latina Editora Porto
Papelaria Livraria Artur Azenha, Lda Porto
Nicola, Livraria e Papelaria, Lda. Porto
Unicepe, CRL Porto
Era uma vez no Porto Porto
Papelaria Livraria Artur Azenha, Lda Porto
Livrarias Peculiares, S.A Porto
Locus - Artigos de Papelaria, Lda Póvoa de Varzim
Livraria Liceu, Lda Póvoa de Varzim
Vicio das Letras - Liv. E actividades culturais, Lda Santa Maria da Feira
Livraria Antecipação Setúbal
Casa Tomy - António Luis Santos Custódio Silves
Livraria e Papelaria Nova, Lda Tomar
Paulo Jorge, Lda Vale de Cambra
Estudante - Com. Distrib. Prod. Papel, L Valongo
Morais & Pires, Lda. (Papelarte) Viana do Castelo
Livraria Papelaria Aguiarense - Dias & Portela, Lda. Vila Pouca de Aguiar
Livraria e Papelaria Branco Vila Real
Livraria Pretexto, Lda - Forum Viseu Viseu

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Não Entres Aí

Não entres aí, por favor. Não entres! Por favor… Não consigo pensar contigo dentro da minha cabeça! Não consigo ser contigo dentro da minha VIDA. Não entres aí, não entres aqui, por favor. Desaparece, duma vez por todas. Abandona-me, e deixa a minha mente, os meus pensamentos, abandonarem a tua imagem eterna, pura, estupidamente bela. Não quero mais pensar em ti. Não quero mais empolar as situações da maneira como faço, não quero mais fazer de ti um super-homem, não quero mais pensar tanto em ti, que vejo-te ainda melhor do que és, ou alguma vez foste. Não entres aí, por favor não entres.

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Sinto desespero, é tudo o que sinto. Não tenho coragem para nada, ou faria algo, mas não tenho coragem. Nas paredes está pintado o teu corpo, no céu passam nuvens tuas, nas minhas veias viaja o teu sangue. Para ti sei que não sou absolutamente nada, absolutamente ninguém. Pensei que pudesse ser diferente. Pensei que realmente tivesse significado tudo o que me disseste. Pensei em tudo, ouvi tudo de ti, não ouvi nada de mais ninguém. A razão encolhe-se em momentos como este, a razão encolhia-se nos momentos em que olhava para ti. “Não vai doer, eu gosto muito de ti!” – dizias tu. Na altura acreditei, e realmente… não doeu… na hora. Pensei no óbvio, no que querias dizer que não doeria, e esqueci-me completamente de me questionar no quanto doeria depois. Se teria sequer que doer… nem nisso pensei. No momento em que te tive dentro de mim, pensei que te fosse ter para sempre. No momento em que estiveste dentro de mim, pensaste em esquecer-me para sempre.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Por Pouco Pecado - Parte IX

Não sei quanto tempo durou a viagem. Tentava focar-me nos meus sentidos. E conseguia, como conseguia. O único sentido que saía a perder era a visão. Queria ter os olhos abertos, para ver o seu rosto, com os seus próprios belos olhos fechados, a beijar-me. Queria ver aquela pequena linha que fazia com a testa, num esgar de prazer e desejo. Mas era difícil, demasiado difícil. O que eu era então, nos sentidos, era as minhas mãos, que passeavam nas suas longas cochas, no seu cabelo revolto. Era o meu nariz, que cheirava a mistura indecifrável do aroma do seu champô com o seu perfume. Era os meus ouvidos, que escutavam uma respiração em uníssono, feita por duas pessoas. De vez em quando parava, afastava um pouco os lábios. Os pensamentos morais, esses tinham ficado na rua, a morrer ao lado do cigarro que se ia apagando. Parava, afastava os lábios e olhava-a. Ela abria um pouco o sorriso, e puxava-me para si.

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- Acho que este vos convém. – diz o taxista, num sotaque estranho. Afasto-me, encosto-me para trás. Espero uns dois segundos para conseguir tomar conta de mim, e abro a porta. Ela espera. Saio do carro, dou a volta por trás, abro a sua porta. Ela sai, e fica voltada para o hotel, que ficava do lado esquerdo do táxi. Fecho a porta, pago.

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- Tem alguma preferência? – pergunta-me o recepcionista. Sinto algo estranho. Ao entrarmos, lançara um olhar para o ar, depois de avistar com quem vinha. Seria impressão minha, concerteza, mas parecia-me que se conheciam.

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- Qualquer um. – respondo. Voltamos um pouco atrás na nossa relação. Apenas uma meia hora atrás, na altura em que não nos tínhamos beijado, como se o táxi tivesse sido um portal do futuro. Voltamos a reagir com o outro como se nada se passasse. Estes jogos, apesar de interessantes, confundiam-me, e nem sempre sabia como reagir. Entramos no elevador.

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- Conhece o recepcionista?

- Como?

- Ele fez um olhar qualquer que estranhei, quando a viu… Conhece-o?

- Que resposta espera?

- Uma honesta.

- Pois… Sabe que posso dizer-lhe que não, e certamente isso será o honesto. Mas se o conhecesse, que acha que diria?

- O mesmo que diz agora mesmo…

- Precisamente. – fico na mesma. O elevador tarda mais uns 10 segundos a chegar ao destino, 13º andar. Esqueço esta conversa, esqueço o que me possa ter parecido, e saímos. Não sei se ela estranha, ou não, o facto de não a deixar sair primeiro. Não me apeteceu.

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Caminhamos os metros que nos separavam da porta 1313 em silêncio.

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- Acha que isto é um sinal? – pergunta ela, apontando com o olhar para o número inscrito na porta.

- Eu acho que sim, deve ser. Mas na dúvida, gostaria de descobrir.

- A resposta está perto…

- Perto demais… – abrimos a porta e entramos.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Por Pouco Pecado... - Parte VIII

- Então e tinha de estragar uma noite tão perfeita? – pergunto, com um sorriso.

- Alguém tinha de ser o valente aqui, certo?...

- Bem, pois pode, se quiser, continuar a ser “o “ valente, e decidir o nosso destino… – sugiro.

- Sabe que mais?... Vamos deixar ser o destino a decidir-se a si próprio… – sei que não vem nenhuma boa notícia dali. Aquele olhar está carregado de mistério. Afasta-se um pouco, uma vez que estávamos ambos debruçados sob a mesa, roda, e chega a sua carteira. Tira o seu porta-moedas, de onde tira uma moeda. Começo a perceber.

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- Eu vou mandar esta moeda ao ar. Se cair caras, fazemos o que queremos fazer. Se cair coroa, fazemos o que devemos fazer. – ok, era o que tinha antecipado. Não vejo grande propósito, uma vez que se não fizermos hoje, aquilo que queremos fazer, e nos encontrarmos, por exemplo, amanhã, fazemo-lo amanhã, ou depois… vejo que ainda não acabou. - e eu levanto-me, você paga a conta, e nunca mais fazemos por nos ver. – não me mexo. Estava, como referi, debruçado sob a mesa, com os braços apoiados na mesma, olhando a minha musa deliciar-me. Assim permaneci, impassível. Estava à espera de tudo, menos daquilo. E não queria aquilo. Num segundo penso que isso seria o melhor para mim, ainda não era tarde demais, ainda nada tinha acontecido, ainda não tinha entrado por nenhum caminho de que me pudesse vir a arrepender. Mas foda-se, quem é que quer sempre o que é melhor para si? O pior é que, toda aquela imagem que lhe tentei fazer passar, dum homem autoconfiante e sempre seguro, misterioso, poderia cair por terra se eu dissesse, simplesmente que não queria arriscar. Ou seja, perdia na mesma. Só havia uma solução. Ela permanece calada, com as pernas cruzadas, encostada para trás. Tiro um cigarro do maço e acendo.

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- Está apostado!

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Ela olha-me nos olhos uns 5 segundos, coloca a moeda em cima do dedo indicador, e num movimento repentino com seu polegar, a moeda voa acima das nossas cabeças. Os nossos olhares não se afastam. Todavia, à medida que a moeda sobe no ar, sobe com ela a minha adrenalina, e o meu medo de perder algo que achava estar a começar a ter. Ouço o som metálico da moeda bater na mesa, abafado pela grossa toalha branca, com uma ou duas manchas de vinho tinto. Baixo o olhar. Coroa. Consigo vislumbrar alguma desilusão no seu olhar, muito disfarçada. Ela levanta-se, não me olha, põe sua carteira debaixo do braço, e sai. Ouço o barulho dos seus tacões ecoar no restaurante quase vazio, enquanto olho a moeda, morta, na mesa. “Puta do caralho, quem é o próximo palhaço com quem ela vai gozar?” – Não consigo pensar noutra coisa. Não sou nenhum menino, mas sinto-me perfeitamente manipulado. Quando penso, desde sempre tudo aconteceu como ela queria que acontecesse. O primeiro cigarro, o café, o jantar. Sorrio com o pensamento de que não me sentiria surpreendido se a moeda tivesse duas faces iguais. Peço mais um whiskey, e bebo-o ao longo de uns pensativos minutos. “Que mulher” – obviamente os pensamentos que correm na minha mente não são plenos em coerência. Alternam entre o elogio e o insulto. Peço a conta, pago, levanto-me, visto o meu casaco, e saio. O Vento permanece irado. Ponho o meu chapéu, e acendo mais um cigarro. Penso em apanhar um táxi, mas apetece-me caminhar um pouco. Assim o faço, viro para a direita e vou abrindo caminho entre as lâminas do Vento. Pára um táxi ao meu lado, como que adivinhando o meu iminente pedido. Todavia, a porta do lado direito de trás abre-se. Ela está lá. A minha surpresa deixa-me estático apenas por 3 segundos. Lanço o cigarro para o chão, e entro. Abdico de todos os momentos pensados que tinha vindo a ter até então, e ao entrar, ponho-lhe a mão direita na coxa esquerda, a mão esquerda entre os seus cabelos, e beijo-a. O taxista ainda pergunta para onde queremos ir. Desta feita é a minha vez…

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- Leve-nos a um hotel que ache que gostamos. Não somos de cá…

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Gone Wrong

Hard Sun - Eddie Vedder

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Hoje tudo é muito diferente. Diferente do que alguma vez imaginei. Hoje, sentado na lareira do meu pequeno apartamento, arrendado por uma pechincha nos arredores de Otava, pensando no porquê de estar a celebrar os meus 56 anos tendo como companhia apenas uma garrafa de Moët & Chandon, penso que hoje… tudo é diferente. Lembro-me do dia em que decidi ser como sou, fazer o que faço. Com saudades de Portugal, penso nas razões pelas quais tive de partir. Tinha tudo, tudo o que tanta gente sempre desejou, mas optei por abdicar de tudo. De quase tudo, os amigos permanecem. Estava prestes a casar, tinha amigos, tinha uma família que me amava. Tinha tudo, mas não me tinha a mim próprio. Tinha apenas uma imagem de mim que os outros desenhavam e me mostravam posteriormente. Eu, imaginando saber o que estava a fazer, apreciava a imagem, e concordava com ela. Todavia, certo dia, decidi ser eu próprio a fazer o desenho. Percebi que não podia permanecer no mesmo sítio de sempre, tinha de voar, abrir os braços e ir encontrar-me. Assim rompi o noivado, deixei em choque a minha família e a maior parte dos meus amigos.

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- Tenho de viajar… – dizia, sem ser compreendido.

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- Mas se tens tudo aqui! – diziam, em vão, para me fazerem mudar de ideias. Em vão. Como as estórias do outro.

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Ela não entendeu, e chorou, como chorou. Chorei com ela, enquanto tentava fazê-la perceber, tentando convencê-la a partir comigo. Em vão. Tentei fazer-lhe ver que não podia permanecer no mesmo sítio de sempre, para sempre, fazendo sempre a mesma coisa, com a mesma profissão, por melhor que fosse.

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Assim parti. Em busca não sabia eu do quê, parti. Parti com a promessa de voltar passado um ano, mas só passado quatro o fiz. Recordo-me, na viagem de regresso, de imaginar que estabilizaria, que então tinha percebido o que realmente queria. Contudo, ao chegar, sinto que, de certa forma, é impossível partir, e a única maneira de o fazer é estar constantemente em movimento. Ela, tinha casado. A família recebeu-me, pedindo para ficar. Disse que sim. Os amigos, esses, os que mantive, abraçara-me, perguntando se ficaria. Ao dizer que sim, uns perceberam, outros não.

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Não passou mais de 2 semanas. Era demasiado opressora a felicidade que via em toda a gente em ter-me de volta. Apenas me pressionava, lembrando-me que não poderia nunca partir… o mais estúpido é que isso acorrentava-me, o desejo que tinham de que ficasse.

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Por isso fiz o que fiz. Segunda-Feira, parto, novamente. Entre trabalhos em bares, em navios, armazéns, figurações em alguns filmes de porcaria, ia sobrevivendo, dum lado para o outro, sempre em busca de algo que hoje sei talvez nunca vá encontrar. Voltava a casa a cada 5-6 anos, mas de cada vez sentia toda a gente cada vez mais longe, e os pedidos cessaram. Pelo que voltava a casa cada vez menos.

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Hoje, passado tanto tempo, acho que não pertenço a lado nenhum. Terei feito bem? Divirto-me, como me divirto, basta querer… mas em momentos como estes, e em qualquer momento em que esteja sozinho, o peso da solidão esmaga-me a espinha, recorda-me do vazio que há dentro de mim, e atira-me sem misericórdia para as recordações de tempos em que o que procurava… era nada, já lá estava. Nesses momentos é quando mais me questiono. Todavia, descem de plano quando vejo um pôr-do-sol em Havana, quando mergulho no Índico em Moçambique, quando passeio de camelo nas Dunas do deserto marroquino. Qual o melhor? Qual a melhor opção? Teria sido possível conciliar tudo isto e ter percebido mais tarde que a única maneira de me encontrar fosse perceber que nunca me encontraria em pleno?

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Não sei, nem nunca vou saber. Sei sim que o facto de saber que nunca virei a saber é, em si, uma certeza. Não sei se a minha VIDA correu bem ou não, sei apenas que correu. Como correu…

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Entrega - VII

Cry Me a River

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Tivesse vindo de quem tivesse vindo a proposta, teria de ser aceite, obviamente. Partilhar um café e ficar por aí era do mais do mais penoso possível. Ela levantou-se, deixou-me sozinho sentado na mesa, e dirigiu-se ao bengaleiro. Antecipou o gesto que eu teria de pagar a sua conta, e saiu, esperando-me na rua. Levanto-me, mando uma mensagem a minha mulher, dizendo que não poderia jantar, pago, e após deixar uma simpática gorjeta, visto o meu casaco, ponho o meu chapéu, e saio. Parara de chover, mas o Vento mostrava-se agitado, como que adivinhando a agitação que ia dentro de mim. Apenas dentro de mim. Fora de mim, a pessoa mais calma e autoconfiante possível. Não tinha antecipado isto. Aliás, não tinha antecipado nada.

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Ela está à minha direita, com seu casaco longo, quase a tocar no chão. O seu cabelo esvoaça um pouco. Ela não o tenta domar. Acendo um cigarro, aproximo-me de si, com meu braço direito abraço sua cinta subtilmente, como que pedindo para seguirmos. Caminhamos um pouco, ainda sem falar, e levanto o braço, chamando um táxi. Entramos, deixo o cigarro ainda quase inteiro, na rua molhada, e sentamo-nos. Ambos na parte de trás, ela encosta-se e dobra a perna, olhando para a rua. Tiro o chapéu. O taxista, uma pessoa nitidamente local, pergunta para onde queremos ir. Enquanto penso em qual restaurante seria adequado, ela solta, em baixa voz: “Leve-nos a um restaurante que ache que gostamos. Não somos de cá”. Fico um pouco surpreso com esta súbita confiança no gosto de um taxista desconhecido. Vejo, pelo espelho retrovisor, que o taxista levanta as sobrancelhas, encolhe um pouco os ombros, e segue caminho. A noite aproxima-se a largos passos, os carros começam a ligar as luzes, e as ruas a ficar menos populadas. O taxista vai cantarolando algo, vejo pela janela os sem-abrigo a puxarem um pouco para cima os cobertores, algumas lojas a fechar.

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Eis que paramos. Não sei em que terá pensado o taxista, mas talvez tenha estabelecido uma relação entre o café de onde vínhamos e o restaurante que desejaríamos, pois o estilo é parecido. As paredes revestidas a madeira, e alguém a cantar, num canto, apesar de num palco não tão improvisado como no Vrijheid. É uma senhora, não muito nova, mas elegante, que canta envergando um vestido negro, com uma longa fenda, deixando ver a perna quase até à cinta. É fácil identificar o que canta. “Cry Me a River”, esse clássico já por tantas pessoas interpretado. As mesas estão revestidas com uma toalha branca, as cadeiras são pretas, da mesma cor de um par de velas que ardem lentamente perto dos pratos.

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- Porque temos de ter estes largos momentos de silêncio? – pergunto, após nos sentarmos. Olha-me nos olhos, fixamente. Eu faço o gelo do meu Martini rodar, lentamente.

- Pois eu acho que são os momentos em que nos entendemos melhor…

- Engraçado… isso soa-me a cliché… – atiro.

- E quem disse que os clichés são estúpidos? Por alguma coisa são clichés… quem sabe baseiam-se em verdades evidentes…

- Verdade. Mas acha que não nos entendemos tão bem… simplesmente falando?

- Se quer saber… eu acho que há momentos para tudo. E quando estamos em silêncio, estamos bem. Quando conversamos, estamos bem. Porquê arriscar a decidir qual desses momentos o melhor? – é fantástica.

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O jantar passou-se num ápice. As músicas não fugiram muito ao estilo que estava a ser tocado ao entrarmos. Mais uma coisa que não antecipara, o facto de ter bebido 3 Martinis, uma garrafa de vinho tinto e um whiskey, para rematar com estilo uma refeição repleta dele. Ela não tinha bebido muito menos, e eu notava isto, apenas no seu sorriso. Era um pouco mais longo, mais rasgado, e fazia-se acompanhar, vez por vez, por umas não muito sonoras gargalhadas. O ambiente aligeirara um pouco e estabelecia-se uma espécie de vínculo. Na verdade, o jantar demorou quase 3h, e fomos das últimas pessoas a abandonar o restaurante.

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Estamos para sair, falamos baixinho, debruçados na mesa, com nossos lábios nada longe, os dedos entrelaçados, e surge a grande questão… a questão que eu evitara desde o primeiro momento, surge dos seus lábios, cravando-se na minha expressão.

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- E agora?...

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Surpresa

Ouvindo Da Weasel – Mundos Mudos [clicar]

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Quem não adora pessoas que cheiram bem? Eu sei que adoro, e sei bem como ele cheira bem. Foi a primeira coisa que reparei nele. Bebericava o meu chá na esplanada do café, e o Vento traz até mim o seu aroma. Levanto os olhos e vejo-o chegar, rodeado dos seus, supunha, amigos. Com agrado, reparo que o aroma não me tinha enganado, e ele era como que uma personificação do que cheirava, algo belo, forte, viril.

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Foi quando comecei a pensar na melhor maneira de o abordar. Não o fiz de imediato, mas lancei uns olhares que me pareceu terem sido recebidos com agrado. Foi-se embora passado pouco tempo, mas o jogo estava no ar de imediato. Acho que antes de partir ainda se voltou para me olhar mais uma vez, e comentou algo com os amigos.

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“Quem não sabe é como quem não vê” – bem verdade. Digo isto pois depois desse dia em que reparei nele, comecei a encontrá-lo em alguns bares da VIDA nocturna de Évora. Um dia, em que o apanho sozinho, meto conversa com ele. Não digo que já tinha reparado nele, ele não diz que já tinha reparado em mim. Entre conversas casuais, começamos a encontrar-nos mais frequentemente, sem nada de especial se passar. Chega o dia em que os seus amigos decidem ir embora mais cedo, ele fica comigo. Ocasião perfeita. Após alguns shots bebidos e cervejas partilhadas, sugiro um bar que frequentava com frequência. Ele acede. “Primeiro estranha-se, depois entranha-se” – bem verdade, e não apenas para aquilo que Pessoa sugeriu. Bem verdade pois rapidamente senti que o tinha na mão. Claro que joguei as cartas na perfeição, um passo de cada vez, ele não era alguém fácil, sentia-se. Nessa noite, já com o álcool a toldar um pouco as nossas decisões, faço a sugestão de irmos até minha casa.

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O que se passou foi algo maravilhoso. Ambos sabíamos para o que íamos, sendo que o flirt tinha começado logo no bar. Fizemos amor de muitas maneiras ao longo de um par de horas, até que adormecemos, cada um para o seu lado, estafados, satisfeitos.

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Quando acordo não o vejo. Não estranho, na medida em que pouco passava das 14h. O que estranho é a sua reacção quando o vejo nas vezes seguintes. Completamente seco, fazendo comentários que não percebia com os seus amigos de sempre. Fico triste, mas tento ignorar.

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É quando o vejo, certa vez, e passado 2 semanas do nosso rendez-vous, numa noite em que já estava um pouco alcoolizado, que sinto os seus sorrisos estúpidos que se seguem de comentários com os seus amigos, que vou ter com ele e o chamo à parte.

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- Podes-me explicar o que se passa? Que não me queiras ver mais, tudo bem! Se para ti foi só uma foda, nada mais, tudo bem! Mas porque é que estás com essas merdas, com esses comentários e risinhos estúpidos?

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- Ouve lá!... Foda? – vejo que mente – Não sei, nem quero saber, do que estás a falar, mas vê lá se percebes que não quero nada contido! Desaparece, paneleiro do caralho!!

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Mortal 6 (aceitam-se títulos, 'tou na dúvida)

Vejo-a enterrar os dedos nos seus cabelos, que agita para sacudir alguma da água que conseguiu iludir o guarda-chuva. Estou encostado ao balcão, de costas para o mesmo e com os cotovelos apoiados na sua esquina. Dou um gole do gim, dou uma passa noutro cigarro que acendera, e observo-a. Ainda não me viu. Tem um casaco longo, cinzento. Depois de dobrar a gola do mesmo, pendura-o. Guarda o guarda-chuva, e volta-se. Ao olhar para mim, lanço-lhe um sorriso. Ela nada faz. Não sorri, que caralho! Que tenho de fazer? Aproxima-se.

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- Desculpe, não tem um cigarro? – Sorrio. Mas rapidamente constato que, mesmo das suas próprias piadas, o sorriso não é genuíno, está carregado de segundas intenções e mistério. Fico sem saber o que pensar ou fazer, vindo ao de cima uma insegurança latente que desconhecia. Afogo-a, empurro-a para dentro de mim, deixando apenas permanecer o aparente olhar confiante. Com um olhar aponto para o maço de Dunhill que a esperava em cima da mesa. Ela sorri e pega no maço. Pede-me lume. Aponto novamente com o olhar para o balcão. Volta a pedir-me lume. Compreendo o que queria fazer quando, ao lhe dar o lume, pega novamente nas minhas mãos, aquecendo-as um pouco e a mim muito mais.

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- Não se quer sentar? – pergunto.

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- Pois porque não?...

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Assim o fazemos. Estou às cegas, completamente. Não sei minimamente do que falar. Sei que isto não é, por nada, o momento de falarmos do que esteve a fazer esta tarde, da situação (sempre) polémica da política nacional, das rivalidades entre a parte holandesa e inglesa do país… no fundo, de nada! Contudo, tenho consciência disso, então opto por escolher muito bem as palavras, e se não as encontro, silencio-me.

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Estamos no canto do café. Ela, sentada em frente a mim, um pouco de lado na mesa, com as pernas cruzadas, e o cotovelo direito apoiado na mesma. A mão, esticada no ar, segura o cigarro que lhe dei, que contribui para o ambiente algo fumarento do local. Tem uma blusa branca, leve, e umas calças da mesma cor. O cabelo, apesar de agitado minutos antes, apresenta-se bem definido, descrevendo uma linha perfeita e ondulada ao redor do seu olho direito. Volto a reparar nos seus olhos, grandes, fazendo lembrar uma bela mulher árabe, a íris dum castanho tão escuro que hipnotiza.
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No outro canto, perto da porta, num pequeno palco improvisado, de madeira, começa a tocar o conjunto Revolutie, uma banda conhecida por tocar o melhor jazz da cidade. Conheço-os, boa oportunidade.

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- A menina conhece esta banda? – apercebo-me que não sei ainda o seu nome.

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- Não me são estranhos. Esta sonoridade diz-me algo. – Responde, sem olhar para mim. O pé, discretamente, acompanha o ritmo da música.

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- São os Revolutie. São conhecidos por Nieuwe Adelaars não só por tocarem o melhor jazz da cidade, mas por, nas raras ocasiões em que cantam, tecem das críticas mais acutilantes e subtis ao governo.

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- Mas não os apanham? – pergunta. Desta feita olha-me nos olhos. Gosto. Gosto de a ver olhar para mim com os olhos um pouco mais abertos, abdicando da sedução a tempo inteiro. Estava curiosa.

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- Pois aí está a beleza, é que são tão subtis, que apenas se pode imaginar o que realmente querem dizer. É impossível ter a certeza. Além do mais são muito queridos por toda a gente. Serem apanhados sem nenhuma base sólida ia fazer muita coisa abanar. Pelo que o governo prefere tentar mandá-los abaixo indirectamente.

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- Como assim?

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- Digamos que tem sido impossível para eles arranjar outra forma de ganhar dinheiro além da música. Ninguém os emprega. Já deixaram de tentar, ao perceber que era algo que não tinha apenas que ver com o eventual empregador.

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A conversa continuou. O seu sorriso não modificou sobremaneira. Gosto assim. Falamos de algumas questões relacionadas com a conversa anterior, surgindo os assuntos naturalmente. Achei interessante o paralelismo entre o tema inicial da conversa, e o tema constante na mesma. Mensagens subliminares, aparentemente inocentes, com eventuais significados e desejos por trás.

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São 9 da noite.

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- Jantamos?