terça-feira, 30 de outubro de 2007

Mortal 6 (aceitam-se títulos, 'tou na dúvida)

Vejo-a enterrar os dedos nos seus cabelos, que agita para sacudir alguma da água que conseguiu iludir o guarda-chuva. Estou encostado ao balcão, de costas para o mesmo e com os cotovelos apoiados na sua esquina. Dou um gole do gim, dou uma passa noutro cigarro que acendera, e observo-a. Ainda não me viu. Tem um casaco longo, cinzento. Depois de dobrar a gola do mesmo, pendura-o. Guarda o guarda-chuva, e volta-se. Ao olhar para mim, lanço-lhe um sorriso. Ela nada faz. Não sorri, que caralho! Que tenho de fazer? Aproxima-se.

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- Desculpe, não tem um cigarro? – Sorrio. Mas rapidamente constato que, mesmo das suas próprias piadas, o sorriso não é genuíno, está carregado de segundas intenções e mistério. Fico sem saber o que pensar ou fazer, vindo ao de cima uma insegurança latente que desconhecia. Afogo-a, empurro-a para dentro de mim, deixando apenas permanecer o aparente olhar confiante. Com um olhar aponto para o maço de Dunhill que a esperava em cima da mesa. Ela sorri e pega no maço. Pede-me lume. Aponto novamente com o olhar para o balcão. Volta a pedir-me lume. Compreendo o que queria fazer quando, ao lhe dar o lume, pega novamente nas minhas mãos, aquecendo-as um pouco e a mim muito mais.

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- Não se quer sentar? – pergunto.

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- Pois porque não?...

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Assim o fazemos. Estou às cegas, completamente. Não sei minimamente do que falar. Sei que isto não é, por nada, o momento de falarmos do que esteve a fazer esta tarde, da situação (sempre) polémica da política nacional, das rivalidades entre a parte holandesa e inglesa do país… no fundo, de nada! Contudo, tenho consciência disso, então opto por escolher muito bem as palavras, e se não as encontro, silencio-me.

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Estamos no canto do café. Ela, sentada em frente a mim, um pouco de lado na mesa, com as pernas cruzadas, e o cotovelo direito apoiado na mesma. A mão, esticada no ar, segura o cigarro que lhe dei, que contribui para o ambiente algo fumarento do local. Tem uma blusa branca, leve, e umas calças da mesma cor. O cabelo, apesar de agitado minutos antes, apresenta-se bem definido, descrevendo uma linha perfeita e ondulada ao redor do seu olho direito. Volto a reparar nos seus olhos, grandes, fazendo lembrar uma bela mulher árabe, a íris dum castanho tão escuro que hipnotiza.
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No outro canto, perto da porta, num pequeno palco improvisado, de madeira, começa a tocar o conjunto Revolutie, uma banda conhecida por tocar o melhor jazz da cidade. Conheço-os, boa oportunidade.

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- A menina conhece esta banda? – apercebo-me que não sei ainda o seu nome.

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- Não me são estranhos. Esta sonoridade diz-me algo. – Responde, sem olhar para mim. O pé, discretamente, acompanha o ritmo da música.

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- São os Revolutie. São conhecidos por Nieuwe Adelaars não só por tocarem o melhor jazz da cidade, mas por, nas raras ocasiões em que cantam, tecem das críticas mais acutilantes e subtis ao governo.

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- Mas não os apanham? – pergunta. Desta feita olha-me nos olhos. Gosto. Gosto de a ver olhar para mim com os olhos um pouco mais abertos, abdicando da sedução a tempo inteiro. Estava curiosa.

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- Pois aí está a beleza, é que são tão subtis, que apenas se pode imaginar o que realmente querem dizer. É impossível ter a certeza. Além do mais são muito queridos por toda a gente. Serem apanhados sem nenhuma base sólida ia fazer muita coisa abanar. Pelo que o governo prefere tentar mandá-los abaixo indirectamente.

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- Como assim?

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- Digamos que tem sido impossível para eles arranjar outra forma de ganhar dinheiro além da música. Ninguém os emprega. Já deixaram de tentar, ao perceber que era algo que não tinha apenas que ver com o eventual empregador.

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A conversa continuou. O seu sorriso não modificou sobremaneira. Gosto assim. Falamos de algumas questões relacionadas com a conversa anterior, surgindo os assuntos naturalmente. Achei interessante o paralelismo entre o tema inicial da conversa, e o tema constante na mesma. Mensagens subliminares, aparentemente inocentes, com eventuais significados e desejos por trás.

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São 9 da noite.

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- Jantamos?

4 comentários:

S. disse...

É necessário que continues a história rapidamente...por quanto tempo achas que seremos capazes de aguentar sem sabermos?! Vá, Pedro, amanhã quero cá mais um bocadinho... mas não a acabes! As boas histórias não deviam acabar nunca.

Red Light Special disse...

E o jantar, foi bom?
Beijos.. gostei de passar por cá.

Cati disse...

Uhmmmm...
Espero ansiosamente pela continuação...

Sugestões de título:
«Smoking Mistery»
«Mistério ou Segredo?»

beijinhos!

Cati disse...

3º lugar nas legendas lá do sítio... Obrigada!!!

Beijinhos!