Estava entregue. Fumou o seu cigarro, enquanto eu fumava o meu. Não falamos. Ao invés de o fazer, ela aproxima-se um pouco. Eu aproximo-me um pouco. Tento colocar-me numa posição que não diga o que realmente se está a passar naquele momento para quem passe e nos aviste. Complicado.
- Sabe – diz-me, depois de largar o cigarro que, com uma pequena parte da sua ponta pintada de vermelho, cai no chão – Suponho que isto não fique por aqui.
- Não sei a que se refere. – Respondo, levantando o olhar e observando as nuvens a viajar impelidas pelo Vento constante. Não a olho.
- Pois se por acaso… Olhe para mim. – Baixo o olhar – Pois se por acaso descobrir ao que me refiro… amanhã é Domingo. Eu vou tomar café no Vrijheid, por volta das 7 da tarde. Gosto de fumar um cigarro quando tomo café, mas não costumo comprar tabaco, não vale a pena fazê-lo por apenas um cigarro.
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- Percebo.
- Pois detestaria ter de pedir a outra pessoa qualquer. Adeus.
E afasta-se. 7 da tarde, amanhã, Vrijheid. Cigarro. Que maneira de me pedir para se encontrar com ela... Ao vê-la afastar-se fico a pensar se não será isto uma metáfora com contornos mais reais do que aparenta. Isto é… é óbvio que naquela frase o que estava a ser dito era “venha ter comigo”, mas disfarçada duma maneira que parece que o objectivo de ir ter com ela é servir a sua necessidade, fornecer-lhe algo. Pois será que não passarei disso mesmo? Alguém que lhe vai fornecer algo, alguém com quem ela tenha de brincar, que use, e depois deixe cair, esmagando no chão com a ponta dos seus sapatos de salto alto? Tento sacudir a minha mente destas divagações (aparentemente) sem sentido, e dirijo-me ao salão.
- Onde andaste, querido?
- Fui lá fora, apanhar ar. – Respondo, enquanto procuro com o olhar a mesma pessoa que me obrigara a mentir nesse preciso instante. Avisto-a ao fundo, no centro de uma conversa com pessoas que sei serem importantes. Reparo como se deliciam com o que diz, e reparo na maneira graciosa como sorri ao ouvir o que lhe é dito.
- … e eu ali a ouvi-lo e ele… - Não consigo prestar atenção ao que minha mulher me diz. Tento olhar disfarçadamente, mas talvez sem sucesso, pois a… donzela repara que estou a olhar e, a determinado momento olha fixamente para mim, piscando-me o olho. Afasto o olhar. – Ainda por cima sobre a poluição
- Pois… realmente não tem muito jeito…
- Não tem?
- Quer dizer, o que ele disse não tem…
- Pois eu sei… – E consigo salvar-me assim.
Fomos embora pouco depois. O meu Mercedes preto galgava as ruas. A minha mulher ia falando dos pormenores da festa, das conversas que teve. Eu só conseguia pensar em duas coisas. Nos minutos que sei ter tido hoje, e nos minutos que não sei como serão amanhã. Ia-me perguntando a opinião, eu ia anuindo. Quando me pergunta se estava bem, sou forçado a responder que estava tudo óptimo, apenas e sentia um pouco cansado e farto destas festas de fachada.
Chegamos a casa, agradecemos e pagamos à Abigal, que tomava conta do pequeno Adriaan, e vamos dormir.
5 comentários:
mortal?...normal!
Passei por aqui e gostei das tuas estórias.
Parabéns
Beijos
Hmmm... a traição também pode ser em pensamento.
Eu chamar-lhe ia assim: Traição?
Beijinhos, gostei, mais uma vez.
E amanhã, às sete da tarde, onde vais?
Humm, que curto mas interessante encontro!... Eu acho que iria lá no dia seguinte...
Beijo grande
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