terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Rita

Pego numa flor, cheiro. Abro tudo o que posso de mim e deixo-a mergulhar no meu olhar com intensidade. A tontura que sinto em nada se assemelha à loucura que é respirar outro ser. Passeio lentamente pelos campos ingleses e viajo com a palma das mãos deslizando entre os pequenos arbustos. O frio que sinto é estranho e desconfortável, mas ao mesmo tempo apelativo. Pede-me para ficar, pede-me para ficar duma forma que nem entendo nem me esforço por entender. As palavras por vezes fazem mais sentido quando desprovidas de lógica nem verdade. Deito-me nas tuas palavras perdidas e adormeço, saltando de planeta em planeta até estar junto de ti.
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Sonho. Sonho algo que passou, aconteceu, tive e não terei. Sonho com os meus próprios olhos cor de fogo, alegres e tempestivos, beijados pelo teu toque caloroso. Vejo-te a ver-me, olhar para os meus longos cabelos ruivos, a minha pele branca e feroz, o meu olhar perdido e nunca inocente. Vejo-te aproximar de mim, esticar os braços e pedir um ou dois segundos. Sem roupa nem pecado entrego-me a ti, viro do avesso as promessas do tempo, tomo as piores decisões e embriago-me das tuas lágrimas.
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Acordo. A luz morre lentamente, o sol escapa-se um pouco, segundo a segundo, até desaparecer completamente, deixando um aroma não mais de frio confortável mas gélido e desesperado. Não tenho nada a fazer senão voltar para casa. A flor que cheirei, que matei, jaz nua no chão, ao meu lado, tremendo com questões, questionando o meu tremor.
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Açambarco tanto quanto possa de tudo o que o mundo tem para me dar, na esperança de que esta overdose de sentimentos, ideias e sensações me possa fazer esquecer por alguns segundos a tua imagem cruelmente vincada. Nada sou senão o nosso passado.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Pedro [Tristeza]

Há tristezas que são quentinhas. Como que um cobertor leve e confortável, mascarando-se de um par de dias, de um par de horas. Afunda-nos apenas o suficiente para podermos pensar com outra mente. Encolhemo-nos um bocadinho e, do nosso novo canto, podemos ver quem somos duma forma mais apurada, mas ainda assim enviesada. Vemos algumas coisas que fazemos, que somos, como estranho e sem grande sentido. Como é uma tristeza apenas quentinha, como não é fria, gélida, permite-nos sorrir como quem não quer a coisa, achar-nos piada, achar-nos um bocado estúpidos mas ingénuos.
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Ouve-se, classicamente, uma música nada alegre, para prolongar mais um pouco o sentimento que dizemos não gostar de sentir. Deus nos livre de admitirmos que por vezes gostamos de estar tristes. Seria terrível… sorrio. Fecho os olhos e deixo a melodia amarelada entrar por mim adentro. Encosto a cabeça na parede de estranha tinta atrás de mim e deixo-me levar, por uns segundos, para dentro de mim. Às vezes, uma parte mais preguiçosa de mim gosta de não gostar da euforia. Tudo seria muito mais fácil se tivéssemos apenas um caminho a seguir. Deus, que seria de nós apenas com uma estrada, sem decisões… Entendo estes meus pensamentos. Não fico assustado, ou nervoso, porque sei que deixar em palavras questões que apenas esporadicamente me habitam não me acostumará a esta normalidade aborrecida. Sei que daqui a uns segundos, minutos, horas, a alegria do não saber voltará, como sempre o faz. Mas… que dizer? Por mais fortes que nos sintamos em relação a uma ideia, a uma filosofia ou modo de estar, que significaria se não o questionássemos de vez em quando? Não seria algo cego e sem sentido? Que são das ideias sem questões? E a minha questão de agora prende-se única e exclusivamente com a infinidade de estradas que vejo, ou gosto de ver, diante de mim. Vejo estender-se à minha frente mil e um futuros, cada um me seduzindo por diferentes razões, cada um me afastando terrivelmente. Sei apenas que não escolherei não escolher. Sei apenas que, faça o que fizer, sempre o verei, em mim, como ir para algum lado, mais do que fugir doutro sítio qualquer. Ai, não sei… É estranho quando certas certezas que temos de repente decidem que afinal… não é bem assim. Mas como sabe tão bem ter razões para esta tristeza quentinha… Como sabe bem saber que temos tudo à nossa frente… Não interessa a idade, o quando, o porquê… Nada interessa senão o tudo de que nunca abdicaremos. Vejo esta tristeza quente como a irmã e amante incondicional da euforia da indecisão. Abraça-me e não me deixes, ou deslizarei a caminho da nulidade de tudo saber…

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Não Sei

Que saudades tenho do mundo que inventámos… Posso dizer-te com precisão a última vez em que te vi, o último beijo que te dei, o último passo que dei nessa fantasia, caminhando em direcção ao sempre conhecido. Vivo, neste segundo em que escrevo, ora no passado ora no futuro, seja na última vez que te sorri, seja na próxima que me sorrirás.
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Tenho saudades da complexa simplicidade da dimensão que inventamos segundo após segundo e onde mergulhamos sem pensar no que pode acontecer. Mergulhamos fundo, bem fundo, sem nunca saber se o ar nos nossos pulmões será suficiente para voltar à superfície. Pensei duas vezes nesse risco, sabes? Quem engano… pensei mil vezes nesse risco, mas hoje penso mil vezes em como valeu a pena vivê-lo. Dói-me que o tenha feito, as feridas da tua presença marcam-me como ácido na alma, mas a dor que sinto envolve-me e deixa-me com um triste sorriso que se recorda da tua presença.
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Ai como me apetece chorar! Não me perguntes porquê, por favor, ou poderei dizer coisas que não quero ouvir. Não me perguntes porquê e limita-te a não ler o que agora te escrevo. Tenho saudades tuas como a lua tem da noite. Tenho saudades tuas como tu tens de mim… penso. Desta vez não penso mil vezes. Penso uma, quem sabe duas… forço-me a parar o sacrifício que é examinar o teu sentimento por mim. É-me difícil, mas consigo vivê-lo como algo que, por mais indefinido que possa parecer, será sempre aquilo que é… estranho a minha estupidez ao, num esforço qualquer ao tornear a definição de ti para mim me fico por algo estupidamente vago. Assim me apetece…
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Os dias que me separam de ti, ou dum novo esporádico mergulho no pequeno mundo que criamos, são cada vez menos. Penso se será melhor uma inventada e azul realidade do que a cinzenta existente. Penso nos quilómetros que separarão estas duas, penso em qual delas será aquilo que posso tocar. Porque terá de ser a minha realidade algo que me entregaram? Porque não a posso criar, porque não a posso escolher e abraçar? Estará na consciência da nossa brevidade tudo aquilo que te eleva para mim? Não sei, não sei!