quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

J_U_S_T__I__ç_a

Quando o vi não consegui acreditar. Era ele. Abri bem os olhos, tentei controlar o meu furacão interior e cravei o meu olhar na sua figura, na esperança de que olhasse também para mim. Não conseguia perceber o que se estava a passar, não conseguia perceber o que estava a sentir. Quando pensava já o ter ultrapassado de vez, acontece-me isto. Mas não me quero acelerar...

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Estava a tomar café na Vénus, enquanto esperava umas amigas. Lia, descontraidamente uma revista qualquer, lia sobre os outros, como sempre. Pensava no que a minha VIDA se tinha tornado… 4 filhos, trabalho, ler revistas estúpidas, dormir, ver a novela, comer… a excitação, essa não a via fazia muito tempo, muito tempo…. Acho que foi por isso que, ao ver o Eduardo entrar pastelaria dentro, senti o que senti. Senti que parecia que o meu último sentimento tinha sido consigo. O meu marido não despertava em mim o mais ínfimo sentimento já. Apenas a resignação dum casamento aparentemente feliz, filhos que adoro, dias que quero que passem.

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Olhou para mim. O seu sedutor sorriso abre-se, os olhos parecem brilhar, quero acreditar, e aproxima-se.

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- Adriana! Será possível? - “E será possível que te tenha deixado partir?”, penso. Passados os 15 minutos iniciais de conversa circunstancial, vejo, através do vidro, uma amiga minha a chegar. Não queria estragar aquele tão precioso momento, e pergunto se não quer ir tomar um café a um outro lado qualquer. Para minha surpresa, aceitou. Consegui fugir a tempo, agradecendo mil vezes ao pesado trânsito conimbricense em hora de ponta.

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[Essa tarde tem muitos nomes. Acho que me permiti recuar no tempo, voltar aos tempos de estudante, em que vivia essa paixão desmesurada, um amor louco, selvagem, mas que acabou. Parece estúpido, mas não me conseguia lembrar como, ou porquê, tinha acabado. Claro que de vez em quando era chamada à realidade, quando insistia em falar do seu casamento, e manifestava a profunda tristeza em não conseguir ter um filho. Quando lhe disse ter 4, dizia, na brincadeira, que lhe podia dar um.]

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Eis que, quando estava à espera que dissesse que tinha de ir, ele me consegue surpreender.

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- Que dizes de inventarmos cada um uma desculpa para não jantarmos em casa e irmos beber um copo? Pelos velhos tempos…

- Estás a falar a sério? Bem… por mim tudo bem, mas nem preciso de desculpa, o meu marido tem uma reunião qualquer, não vem jantar. Tenho só de pedir à minha mãe para olhar pelas crianças enquanto não chego.

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Acho que não vale a pena dizer o que se passou de seguida. Realmente fomos beber não um, nem dois, mas copos atrás de copos, “como nos velhos tempos” e a determinado momento, estamos nós sentados numa esquina do English Bar, ele aproxima-se.

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- Sabes que eu, de certa forma, nunca te esqueci. – atira, enquanto deixa a sua mão esquerda descansar na minha perna, um pouco acima do joelho. O seu braço direito abraça-me subtilmente.

- Sabes que eu, seja de que forma for, nunca te esqueci. – respondo. Sinto-me sensual, e sinto que ele sente o mesmo. Sentir, sentir, só penso nessas palavras quando estou com ele. Não quero pensar em nada naquele momento. Não quero pensar que tenho um marido e família, que tenho responsabilidades, que tenho uma rotina desesperante… quero voltar a ser a miúda apaixonada pela VIDA, impulsiva, que se entrega às emoções. E assim o faço. Agarro-o com o meu olhar, puxo-o, e beijamo-nos. Ele sobe a sua mão direita, agarra-me gentilmente na face, e responde ao meu beijo apaixonadamente. Descola os lábios dos meus, aproxima-se do ouvido.

- Astoria?

- Vamos…

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É-me difícil explicar como amei cada segundo de toda aquela aventura. Sorria ao pensar que o termo “aventura” para “um caso” não podia, nesse particular caso, estar melhor aplicado. Porque sentia-me realmente, como numa aventura. A adrenalina abundava, o desejo era enorme, o sentimento era ameaçadoramente delicioso.

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Não demoramos muito a chegar ao hotel. Não lhe disse, naturalmente, mas eu não fazia amor há mais de meio ano. E não fazia amor com o Eduardo quase há meia VIDA. Talvez por isso tenha sido tão fantástico. Cada momento.

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- Adriana, tenho algo para te dizer. – Está deitado por cima de mim, não já dentro de mim. Penso em mil coisas que me possa dizer, ou pedir. O meu coração pensa noutras quantas. Quero dizer que sim. Seja o que for, quero dizer que sim. A sua expressão vai ficando mais carregada, a cada batida do meu coração. Os meus olhos embaciam-se. Que me aguarda?... – Eu não fui totalmente sincero contigo… Eu… de certa forma, engendrei o nosso encontro. – acho que o pico de alegria que senti quando o ouvi dizer isto foi, esse sim, ainda mais curto que uma batida seja de que coração for. Durante esse milésimo de segundo permiti-me pensar que engendrara o nosso encontro porque tinha saudades minhas, porque queria ver-me, estar comigo. O meu pensamento voltou à realidade mais eventualmente assustadora quando vi que a sua expressão carregada não se alterara. Quando me relembra do que tinha dito acerca de não conseguir ter filhos, o meu coração pára. Quando continua a falar e explica a sua teoria, do mais cruel, mórbido que já ouvi, a minha respiração pára. O pedido adivinhava-se a qualquer segundo. Os olhos, esses há vários minutos abandonaram a condição de embaciados, humedecidos, e davam a conhecer o que ia dentro de mim, deslizando as lágrimas silenciosas pela minha face. Não sei o que se passou dentro de mim. Nunca imaginara um pedido daquela natureza, pedir algo tão forte, arrasar-me completamente enquanto ser humano. Sentia-me como um pedaço de qualquer coisa, um pedaço de nada, um pedaço… um pedaço de coração despedaçado. O que restava, e isso era o mais estúpido, o que restava do meu coração, batia por Eduardo. Viajei muito rápido, a viagem foi efémere. Numa tarde renasci, vivi a juventude, e num momento envelheci, com a perfeita consciência diante de mim, de que não havia qualquer voltar atrás. As mãos, que frias descansavam nos lençóis, elevam-se, acariciam a sua face. Tento ser mais eu. Tendo ser mais eu em cada poro da minha pele que sente ainda o seu corpo de encontro ao meu. Digo que sim, lentamente, com a cabeça, enquanto reúno forças para falar.

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- Sim, Eduardo, eu faço isso por ti. – A sua expressão não muda, mas sinto, quem sabe erradamente, seus olhos brilhar um pouco mais. Estou dentro da cabeça dele e antevejo cada pensamento. A expressão adquire uma tonalidade de dúvida. – Não precisas de te preocupar com isso. Tudo esteve do teu lado hoje.

7 comentários:

Silvia Madureira disse...

Eu não entendo porque é que quando duas pessoas se sentem tão felizes uma com a outra, reúnem tanta emoção. tanto desejo, tanta adrenalina na sua união...não conseguem ir contra a realidade e juntarem-se de facto.

Quando se sente uma paixão por alguém como esta que aqui é descrita deve ser duro viver apenas por momentos...também deve ser muito triste viver um casamento faz de conta.

Eu nem sequer consigo fingir que gosto de alguém como amigo, quanto mais fingir que amo alguém e suportar um casamento de aparência.

Histórias reais...infelizmente.

Catarina M disse...

gosto de como escreves, estas ultimas... tem personalidade, tem caracter e acima de tudo, maturidade. tas a crescer. gosto disso... =)

Anónimo disse...

Brutal man...o "dark man" a vir ao de cima...li primeiro esta e depois a anterior, mas quer uma quer outra têm grande profundidade, são negras com o seu climax na esperança que se desmorona na conclusão! Uma boa história para a passagem de ano :)

grande abraço

foryou disse...

Tu dás-me cabo dos olhos com esse branco sobre preto, essas letras e essas minuscula/maiuscula, mas escreves bem para caramba e vale a pena ler.




Bom ano 2008 para ti

Sei que existes disse...

Que este novo ano de 2008 e toda a tua vida, venha a estar recheada de optimos momentos de crescimento e felicidade interior,harmonia, amor,sabedoria e auto-conhecimento.
Beijo grande

Anónimo disse...

Simplesmente fantastico, sem palavras... já pensaste em começar a escrever livros!?

Felz Ano Novo...

S. disse...

darkman, desejo-te um 2008 "FUNTÁSTICO", cheio de sucesso a todos os níveis! ;)