segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Gone Wrong

Hard Sun - Eddie Vedder

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Hoje tudo é muito diferente. Diferente do que alguma vez imaginei. Hoje, sentado na lareira do meu pequeno apartamento, arrendado por uma pechincha nos arredores de Otava, pensando no porquê de estar a celebrar os meus 56 anos tendo como companhia apenas uma garrafa de Moët & Chandon, penso que hoje… tudo é diferente. Lembro-me do dia em que decidi ser como sou, fazer o que faço. Com saudades de Portugal, penso nas razões pelas quais tive de partir. Tinha tudo, tudo o que tanta gente sempre desejou, mas optei por abdicar de tudo. De quase tudo, os amigos permanecem. Estava prestes a casar, tinha amigos, tinha uma família que me amava. Tinha tudo, mas não me tinha a mim próprio. Tinha apenas uma imagem de mim que os outros desenhavam e me mostravam posteriormente. Eu, imaginando saber o que estava a fazer, apreciava a imagem, e concordava com ela. Todavia, certo dia, decidi ser eu próprio a fazer o desenho. Percebi que não podia permanecer no mesmo sítio de sempre, tinha de voar, abrir os braços e ir encontrar-me. Assim rompi o noivado, deixei em choque a minha família e a maior parte dos meus amigos.

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- Tenho de viajar… – dizia, sem ser compreendido.

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- Mas se tens tudo aqui! – diziam, em vão, para me fazerem mudar de ideias. Em vão. Como as estórias do outro.

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Ela não entendeu, e chorou, como chorou. Chorei com ela, enquanto tentava fazê-la perceber, tentando convencê-la a partir comigo. Em vão. Tentei fazer-lhe ver que não podia permanecer no mesmo sítio de sempre, para sempre, fazendo sempre a mesma coisa, com a mesma profissão, por melhor que fosse.

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Assim parti. Em busca não sabia eu do quê, parti. Parti com a promessa de voltar passado um ano, mas só passado quatro o fiz. Recordo-me, na viagem de regresso, de imaginar que estabilizaria, que então tinha percebido o que realmente queria. Contudo, ao chegar, sinto que, de certa forma, é impossível partir, e a única maneira de o fazer é estar constantemente em movimento. Ela, tinha casado. A família recebeu-me, pedindo para ficar. Disse que sim. Os amigos, esses, os que mantive, abraçara-me, perguntando se ficaria. Ao dizer que sim, uns perceberam, outros não.

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Não passou mais de 2 semanas. Era demasiado opressora a felicidade que via em toda a gente em ter-me de volta. Apenas me pressionava, lembrando-me que não poderia nunca partir… o mais estúpido é que isso acorrentava-me, o desejo que tinham de que ficasse.

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Por isso fiz o que fiz. Segunda-Feira, parto, novamente. Entre trabalhos em bares, em navios, armazéns, figurações em alguns filmes de porcaria, ia sobrevivendo, dum lado para o outro, sempre em busca de algo que hoje sei talvez nunca vá encontrar. Voltava a casa a cada 5-6 anos, mas de cada vez sentia toda a gente cada vez mais longe, e os pedidos cessaram. Pelo que voltava a casa cada vez menos.

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Hoje, passado tanto tempo, acho que não pertenço a lado nenhum. Terei feito bem? Divirto-me, como me divirto, basta querer… mas em momentos como estes, e em qualquer momento em que esteja sozinho, o peso da solidão esmaga-me a espinha, recorda-me do vazio que há dentro de mim, e atira-me sem misericórdia para as recordações de tempos em que o que procurava… era nada, já lá estava. Nesses momentos é quando mais me questiono. Todavia, descem de plano quando vejo um pôr-do-sol em Havana, quando mergulho no Índico em Moçambique, quando passeio de camelo nas Dunas do deserto marroquino. Qual o melhor? Qual a melhor opção? Teria sido possível conciliar tudo isto e ter percebido mais tarde que a única maneira de me encontrar fosse perceber que nunca me encontraria em pleno?

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Não sei, nem nunca vou saber. Sei sim que o facto de saber que nunca virei a saber é, em si, uma certeza. Não sei se a minha VIDA correu bem ou não, sei apenas que correu. Como correu…

6 comentários:

Margaret disse...

ao partir, o coração fica sempre dividido... é uma opção que mete aventura e solidão. uma escolha que sempre questionamos em determinadas alturas, por mais que a saga esteja a ser emocionante.

S. disse...

Não se pode ter tudo... nesta vida não há tempo para se viver duas vidas. Cada um vive a sua, e não há vidas erradas, apenas frustradas.

Mais uma vez, excelente. Como é que te lembras destas coisas?! Mas não era isto que estava à espera de encontrar hoje aqui publicado. Tu sabes o que é que eu quero ler... Chega de maldade, Pedro! "Posta" lá isso!

Volto ainda hoje.

Anónimo disse...

Nem sempre o desenho fica bem...ou melhor, nem sempre o resultado é aquilo que esperamos. Uma coisa é certa, temos que aproveitar ao máximo, e nunca nos arrependermos do que fazemos, mas sim, do que não fizemos (digo eu).

Jovem...O "estórias em vão" (livro)acabou de chegar ás minhas mãos :)))

Sendyourlove disse...

identifiquei-me demais com o personagem...assustou-me!

S. disse...

voltei... nada achei! Tu disseste que não ias pôr mais nada hoje, mas a esperança é sempre a última a morrer.

Sei que existes disse...

Quem sabe? Cada um tem o seu caminho para percorrer... e só a própria pessoa sabe qual o seu melhor caminho, mas para isso há que tomar sempre opções, umas boas, outras menos boas!...
Beijocas grandes