A
Como me sinto… Dizem-me ter dado um passo importante, fulcral, vital na minha VIDA, mas o que mais quero, a cada segundo que passa, é ter o que tinha semanas antes. O que me dizem agarra-se aos meus ouvidos com toda a força pedindo, ora com jeitinho, ora violentamente, para entrar. Quero deixar entrar, e puxo a porta com toda a força que tenho, mas sinto cada esforço como um movimento
B
Como me sinto…ou como me sentia, já que neste momento não faço ideia. Ou não quero fazer ideia, face à notória evidência de que agora me sinto pior que há pouco tempo atrás. Toda a gente gabava o meu progresso, e eu sorria, por dentro e por fora, contente com a constatação daquilo que sentia mudar
C
Depois do almoço, como todos os dias, retiramo-nos para fumar um cigarro. Com a Primavera ao virar da esquina e o Inverno esquecido, os sorrisos são mais abertos e as gargalhadas mais sonoras. Mas esta é estranhamente sonora. Não sei se é o nível, o tom, o que é… mas apenas confirma o que já há algum tempo imaginava. Quinze anos de toxicodependência, mais outros quinze, já livre, de trabalho com toxicodependentes, acabam por nos dotar com algumas características não raramente infalíveis. Os residentes voltam para dentro, e B, já com o olhar descansado, e por isso mesmo reflexivo e distante, deixa-se ficar, iniciando o seu segundo cigarro, sentada a admirar a sua caneca de café.
- Podes baixar a guarda agora…. – digo, sentando-me a seu lado. O seu olhar é de surpresa, e nasce um sorriso amarelo.
- Como? – pergunta.
- Sei como te sentes. Já passei por isso, não precisas de esconder. Nem de mim, nem de ninguém, e muito especialmente, de ti – tenta interromper, imagino para dizer que não sabe do que estou a falar, mas o meu olhar pede mais um minuto de antena – Sabes… não foste a única a perceber as semelhanças entre ti e A. Assusta, não assusta? – volta a assumir a postura que assumira quando se julgara sozinha. O seu verdadeiro eu tem permissão para respirara uns minutos.
- O que é que faço? – pergunta, perdida.
- O que é que tens feito?
- Nada. não percebo isto que se está a passar. É frustrante! Pensava que estava num lugar comigo completamente diferente! E agora parece que me vejo… ao espelho, de cada vez que olho para A. e… sinto-me a regredir.
- Pois eu sinto-te progredir…
- Como assim? – pergunta-me, notoriamente sem saber o que quero dizer.
- Se aprendi alguma coisa, em 30 anos a lidar com drogas, é que simplesmente não existe algo como um percurso perfeito em recuperação… e quando tudo corre bem, sem mácula, com um desempenho notável… acho que quer dizer que tudo vai mal. Porque se estás aqui, é porque há merda aí dentro… merda de que precisas de falar, de deitar cá para fora! E a razão pela qual digo que acho que estás a progredir é que começaste a sentir, começaste… a ver-te na minha perspectiva…
B
Ficamos a falar mais uns minutos, até que tive de ir lavar o chão dos corredores. C. surpreendera-me duma maneira que não achava possível. Como é possível sermos tão transparentes quando julgamos que estamos a ludibriar toda a gente?... Odiei-o por me ver tão bem, mas a verdade… disse-me o que eu já sabia, e fez-me ver que o progresso, a minha recuperação, não está em querer tudo perfeito dentro de mim, mas aceitar o que não está… tentar melhorar e conseguir… falhar e aprender a lidar com isso…
Como me sinto. Triste. Triste pelo tempo perdido a tentar mostrar aos outros uma imagem minha que não era real. Mas fe… mas contente por o ter percebido a tempo. E feliz por estar agora numa posição tão melhor para ajudar A., mostrando-lhe que o meu percurso também é difícil. Mas juntas, todos juntos, chegaremos a bom porto…
2 comentários:
comi meia tablete de chocolate enquanto lia isto..ou seja.. estás a contribuir para o aumento da minha gordura corporal xD
há sempre momentos bons e menos bons, momentos de fragilidade e outros em que vamos buscar forças sabe-se lá onde...
momentos em que conhecemos um pouco mais de nós.
espero que esteja tudo bem! :)
um beijo
Aqui me tens :o) (finalmente) regressado de férias, e com oportunidade de (re)ler estas tuas estórias.
Grande abraço para o "miúdo" aqui do "rapaz". :)))))))
Enviar um comentário