terça-feira, 20 de maio de 2008

Caminho

XX

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- Mas… não queres saber o nome dela? – pergunta-me ele… estamos deitados na cama, em Oslo, no quarto do hotel. A janela, à nossa direita, dá para o parque, onde, imagino, crianças brincam, atirando bolas de neve, vivendo a melhor altura da VIDA, em que tudo é tão simples e fácil…

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- Sabes que não quero… porque é que de vez em quando me perguntas isso?... – respondo, apresentando uma nova questão. Irrita-me!

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- Não sei… acho estranho… eu sei o nome do teu marido… porque é que não queres saber o nome dela? – porque será? Porque será, Alf, porque será?

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- Tu não percebes mesmo, pois não? – pergunto, manifestando a minha irritação – Será tão complicado de entrar nessa tua cabeça a realidade que quero viver dentro deste quarto, para lá das portas deste hotel?? – a minha voz sobe de tom e esforço-me por não chorar. Se nuns momentos tudo é mágico, e vivo o que realmente quereria viver… ele tem de chamar tudo aquilo que me esforço por deixar na rua, nos momentos em que o vejo, nos momentos em que estou com ele…

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- Mas… – não sabe o que dizer, nota-se – desculpa… É que não me parece justo. Eu sei o nome dele, até já via fotografia dele! – está irritado? Com que direito, se ele é que começou? – E estou contigo, só contigo, mas queria estar contigo como estás comigo! – não percebo - Não percebes que tu é que estás aqui a viver um sonho? Eu vivo esse sonho constantemente agarrado à realidade, e tu vives o sonho, o nosso sonho, que acaba por ser só teu! Foda-se! – não percebo o que quer dizer. Levanto-me. Vejo que respira com força. Nunca falamos nas coisas desta forma… sonho? Olho para ele e vejo que evita olhar para mim. Entro no quarto de banho. Baixo o tampo da sanita e sento-me. Como é possível que esteja ali, mesmo ali, a uns metros de mim, e estejamos tão longe?... Porque é que se arrasta tudo isto? Porque é que nos permitimos a este massacre constante que é… o de sentir a felicidade, o de sentir tal sentimento de pertença e paixão, mas vê-lo morrer, ou adormecer, de cada vez que nos despedimos, prometendo um próximo encontro… nos próximos meses… Apoio os cotovelos nos joelhos, estou nua. Com as mãos tapo a cara, e sinto as lágrimas, bravas, irromperem por entre os dedos. Com o passar dos anos, a frustração de ambos… a frustração de ele querer mais… a frustração de imaginarmos que podemos ter cometido um erro no passado, que eu posso ter cometido um erro no passado… é demasiado pesada. Mas o que é mais pesado que deixar de o ver para sempre?...

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XY

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- Mas… não queres saber o nome dela? – pergunto. Olho para ela, que descansa ao meu lado, bela. Os anos não passaram por si. Continua a mesma pessoa por quem me apaixonei há tantos anos. Por dentro a mesma liberdade e originalidade… pela imagem que vejo, apesar dos anos se fazerem notar, fazem-no muito discretamente, acrescentando apenas 3 ou 4… Tantos anos…15? 17, sim… Será assim tanto? Lembro-me como se tivesse sido agora. Destacados para trabalhar no mesmo sítio, vindos cada um duma ponta da Noruega… Ela de Trondheim, eu de Frederikstad… Ela tinha acabado de se casar, e eu tinha uma relação sem qualquer faísca. Eu caí primeiro. Ela resistiu muito mais tempo. Não aos meus encantos, ou às minhas investidas, pois era algo que eu tentava não fazer, ainda que tantas vezes… fosse tão difícil… Ela resistiu mais tempo, não às minhas investidas, mas à constatação de que tínhamos algo ali, entre nós, que era mais forte do que aquilo que podíamos controlar… A trabalhar em Oslo, longe de tudo e de todos, durante alguns tempos vivíamos um romance cujos sentimentos que nos imprimia oscilavam entre a paixão extrema… e a culpa extrema. Bem, falo mais de si, pois, como disse… eu tinha caído primeiro… e caí redondo…

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- Sabes que não quero… porque é que de vez em quando me perguntas isso?... – irrita-se. Porque é que, sabendo que se vai irritar, que não vai gostar da questão, a faço… sempre? Custa-me. Quanto mais o tempo passa, menos consigo, como nos primeiros tempos, estar apenas consigo… Geralmente estou consigo, mas repousa ao meu lado a consciência que, no dia-a-dia, nenhum de nós está com quem deveria estar… Eu estou casado com alguém que, apesar de tanto apreciar… não amo, nem estou apaixonado. E o que mais me dói… saber que ela, que se irrita neste preciso instante comigo, e se prepara para se levantar da cama, me ama e, mais importante até, sente paixão por mim… mas também pelo seu marido! Como me dói… Como me dói saber que os meus sentimentos por si são correspondidos, mas que não os sente apenas por mim...

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- Não sei… acho estranho… eu sei o nome do teu marido… porque é que não queres saber o nome dela? – E como a invejo… como invejo o seu sorriso, quando me vê. Morro por si, mas não morre por mim, e isso mata-me. O seu sorriso quando me vê é puro, e nenhuma consciência estranha o habita… O meu sorriso quando a vejo é pleno… É cheio, mas atrás do que se vê nos meus lábios, e ainda que estes estejam a ser tão sinceros quanto possam, há uma dor, de sentir que… agora estou contigo… agora não…

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- Tu não percebes mesmo, pois não? Será tão complicado de entrar nessa tua cabeça a realidade que quero viver dentro deste quarto, para lá das portas deste hotel?? – percebo. Como percebo. Percebo, mas não quero perceber. Não posso aceitar que ela jogue, ainda que sem intenção, com esta relação do modo que lhe apetece… Detesto sentir-me, ainda que saiba que tal não é verdade, como um extra… o extra…

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- Mas… – não sei o que dizer – desculpa… – não sei por que me desculpo – É que não me parece justo. Eu sei o nome dele, até já via fotografia dele! E estou contigo, só contigo, mas queria estar contigo como estás comigo! Não percebes que tu é que estás aqui a viver um sonho? Eu vivo esse sonho constantemente agarrado à realidade, e tu vives o sonho, o nosso sonho, que acaba por ser só teu! Foda-se! – irrito-me! Não sinto como justo esta diferença. O mais estúpido é que, se ela me dissesse para dizer o nome da minha mulher… eu não o diria. Porque apesar de tanto invejar essa sua ignorância, não lha quero roubar… Mas talvez apenas saber que ela estava disposta a estar no mesmo lugar que eu. Levanta-se da cama e, numa, entra no quarto de banho. Fecha a porta com força. Sinto-me o maior cabrão da cidade… e odeio-me por sentir isso, quando apenas fui sincero consigo. Mas odeio-me por a fazer sentir o que deve sentir agora.

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XX

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Não percebo… não percebo porque tem de arruinar momentos assim. Tem a palavra errada, no momento errado, em tantas ocasiões… Não percebo, mas percebo… Encosto-me para trás. Já não choro, mas penso nele. Penso na maneira como sei que se eu quisesse, nos casávamos amanhã… Sei que ele sabe que eu sei isto… Mas o que ele não sabe á a confusão que vai em mim, que sempre tive dentro de mim… Se ele não se sente seguro em relação a querer um futuro comigo, ainda que passados 17 anos, e tendo nós já 40… Eu não me sinto tão segura em continuar o meu casamento… mas sei que o vou fazer… amo o meu marido, mas o que sinto por ele é inexplicável, que merda… E se acabasse o casamento para viver com ele, como me sentiria, sabendo que, tendo sido mais forte, poderíamos estar juntos há tanto tempo?... Talvez seja por isso que não o faça, e veja então cada dia que passa como uma razão para não o fazer… se em tempos pareceu romântico, agora, apesar de o continuar a ser, é desesperante quando o deixo… e odeio que ele não perceba isso, e que pense que gosta mais de mim do que eu dele. Odeio, e odeio-o por isso. É como sei que o amo… o facto de o odiar por pensar que gosta mais de mim que eu dele…

3 comentários:

Anónimo disse...

Um nome é tão só um pequeno grupo de letras, mais nada. O resto...isso é outra coisa, mais ou menos importante.

Mas quem sou eu?...

Grande abraço para o "jovem", que continua a deliciar o pessoal, com as suas "estórias em vão"

Moura ao Luar disse...

Situação complicada mas tão compreensível... quanto ao nome, admiro-a por não ter a curiosidade de o saber...

Sendyourlove disse...

O QUE IGNORAMOS NÃO NOS PODE FAZER MAL