segunda-feira, 12 de maio de 2008

Hoje

- A VIDA são 3 dias pá, ouve o que eu te digo! E eu simplesmente decidi quando a minha vai acabar! – dizia-me Rui, todas as vezes em que as cervejas começavam a não caber na mesa. Nesse dia, a última vez que o ouvi dizer isso, estávamos no Académico. Era Quarta-Feira, lembro-me como se fosse hoje… Não se passava grande coisa em Coimbra, mas uma noite de conversa com Rui era sempre uma noite bem passada.

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- ‘Tá bem, ‘tá bem… deixa-te de tretas! – eu despachava, entre cigarros cravados e goles de cerveja. Desde há alguns anos que Rui dizia ter decidido que ia viver a VIDA ao máximo e que se ia suicidar no dia antes de fazer 30 anos. Eu nunca acreditara. Hoje está morto.

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- ‘Tou-te a dizer, pá! E já te disse mil vezes! Não vai ser um suicídio daqueles de pessoal deprimido! Vai ser o suicídio de alguém que viveu ao máximo, e apenas quis ter algo a dizer quanto à maneira, e à altura em que ia!... – debrucei-me na mesa e, com um sorriso, olhei-o nos olhos.

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- Ok, vamos supor que não estavas na tanga… Não achas que 30 é muito cedo? – perguntei, curioso.

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- Não, pá! Ouve lá, o que é cedo? 30 anos são 1560 semanas de VIDA! Vou em grande, e não vou ver o meu próprio declínio. E posso dizer que a minha VIDA foi feliz, sempre! Tu, por outro lado, vais envelhecer, vais perceber que já não consegues fazer as coisas que gostavas de fazer, vais tornar-te num adulto cínico, como até já te estás a tornar – diz, gracejando – E vais morrer com a ideia que não foste tão feliz como realmente foste. Só porque os teus últimos anos não o foram! – a maneira como me dizia isto era sempre cheia duma certeza impressionante. Agora que penso nisso, sentado ao lado da sua campa, no 13º aniversário do seu suicídio, quase não acredito como na altura não me acreditei! Talvez em algum momento tenha percebido que poderia ser verdade, e tenha dado um instantâneo salto do “não acreditar” para o “não querer acreditar”…

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- Mas ouve lá, ó Rui… que é que tu sabes? Já pensaste que podes ‘tar enganado? E que… sei lá a VIDA comece aos 40?

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- Acreditas mesmo nisso?

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- Não, mas isso não interessa! – rimo-nos. Na verdade não acreditava, e os seus argumentos, ainda que aparentemente estúpidos, sempre me assustavam, talvez por, ainda que eu não o quisesse admitir, achar que, no fundo, faziam sentido…

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- Claro que interessa! Pá… Zé, eu já percebi que não vou lidar bem com o declínio…

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- Mas não tem de ser um declínio! – interrompo, efusivamente.

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- ‘Tá bem, chama-lhe o que quiseres! Eu chamo-lhe declínio. Eu já percebi que não vou lidar bem com o declínio, e por isso prefiro ir em beleza, do que ir indo em tristeza.

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- Ok, ok… – geralmente era assim que acabavam as nossas conversas. Eu não o conseguia convencer de nada, e ele não me conseguia convencer de nada… Ou melhor, eu dava sempre a entender, tanto para ele como para mim… que ele não me conseguia convencer de nada. Foi das últimas vezes que o vi. Que saudades tenho…

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Acho que não reagi com muito choque. Apesar de não querer acreditar, talvez uma parte de mim soubesse que aquilo ia acontecer. As pessoas estranharam o facto de eu não me sentir devastado… Senti-me mal, mas como quando um grande amigo vai de viagem e não sabemos quando o vamos ver. Só isso. Talvez por me ter pedido, milhares de vezes, para eu não ficar triste, e para saber que tinha sido a sua decisão, e que tinha ido bem. Mas foda-se Rui, podias estar aqui ainda…

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Sentado ao lado da sua campa penso neste meu amigo. Ensinou-me o que é viver. É irónico, mas a maneira apaixonada como deixou a VIDA, levou-me a querer aproveitá-la ao máximo. Realmente não sei quando o meu corpo vai começar a falhar, quando a minha mente vai desistir de algumas actividades que tanto prazer me dão. Não decido acabar com a minha própria VIDA, para não sentir esse declínio… Mas decidi, no dia do seu funeral… não adiar. Adiar sempre é o pior que podemos fazer. Hoje é hoje, e quando quero fazer alguma coisa, faço. Hoje… é hoje.

4 comentários:

Sendyourlove disse...

viver hoje como se não houvesse amanha...é dificil...
Bjs

pedro disse...

sempre pensei como o Rui, chegar aos 30 e tal e acabar com a vida, la está, escolher quando queres descobrir algo de novo o que está para lá....mas rapidamente se chega a conclusão que nunca há a definição de "viver o máximo", podes viver ao máximo, mas quando o máximo é suficiente e deixa de haver mais, não existe, há sempre algo mais para fazer!!

Hands of Time disse...

é o que tento fazer, viver um dia de cada vez! :) Bom fim de semana!

Anónimo disse...

Este post "bateu" forte...nestes últimos dias, não me sai da cabeça o assunto que sempre me preocupou: Viver mais anos (segundo as estatísticas), mas em que condições? Dependente de terceiros, de medicamentos para isto e para aquilo? Deixar de fazer aquilo que sempre gostei?

Que me interessa o dia de amanhã, se hoje não VIVER?

Felizmente até hoje não tenho motivos de preocupação/lamentação. mas...é...é a VIDA.
Faz-se o que se pode;)