domingo, 4 de setembro de 2005

A Mulher do Metro - Parte IV

- Eu de ti não quero nada... - digo, tentando parecer desinteressado.
- Por favor, estou farta de te ver, vais dizer-me que é coincidência...
- É tudo menos coincidência - digo, enquanto tiro a sua carteira do bolso e a atiro para ela, que não faz o mínimo gesto para aapanhar, deixando-a cair.
- Então foste tu que ma roubaste... - diz, com um sorriso cínico e perturbador.
- Fui. Mas não tens nada que me interesse. - e volto costas. Ela não diz mais nada, mas sei exactamente o que está a pensar, e sei que consegui fazer exactamente o que (não) tinha planeado.
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Mulheres como ela estão mais que habituadas a ter as atenções centradas em si. Estão habituadas a ter um bom amigo que mais cedo ou mais tarde tenta algo mais. Estão habituadas a entrar num bar e ter os olhares a apontar na sua direcção, a ter homens nervosos e a gaguejar enquanto tentar articular palavras para a conquistar. E, sobretudo, chicos espertos que vão meter conversa em bares ou mesmo na rua, com linhas como: "Já não te vi em algum lado?", ou "Onde é que andaste a minha VIDA toda? - enfim...
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Uma mulher como ela é segura de si mesma, as inseguranças que tem, se tiver, vem de dentro, e não estão relacionadas com interacção social, e com frustrações acerca das expectativas que as pssoas podem criar de si. Se ela tem alguma insegurança, terá muito mais a ver com o que poderia passar quando efectivamente se apaixonasse por alguém, do que com conquistar (ou deixar-se conquistar por) um homem para ter uma noite menos desinteressante.
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Sabe o que faz, sabe o que não faz, e sabe que não perdera a carteira. Especialmente numa cidade como Moscovo, e tendo que viajar de metro frequentemente, desaparecendo uma carteira, é tão provável ela ter sido perdida como o Lenine se levantar e andar. Assim, no momento em que ela afirmou que tinha sido eu a roubá-la, tê-la-ia perdido "para sempre", no momento em que dissesse: "Não, eu encontrei-a no chão, e achei que devia devolver", ao que ela pensaria: "Que pacóvio...". O que é que uma mulher como ela pensaria que seria normal acontecer?... Pensaria que chegaria alguém com a carteira, a abordasse com gentileza, lhe entregasse a carteira com cuidado, não atirando como eu fiz, e que dissesse que a encontrou, não que a tinha roubado, como eu fiz. E é precisamente nisto que ela está a pensar neste momento. Está confusa, por uma vez, as coisas não correram como ela pensara, houve algo que lhe escapou, e isso, fá-la sentir algo que não costuma sentir, uma espécia de atracção.
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Não deixei o meu número, não deixei nada. Então ela sabe, ou melhor, pensa, que o meu propósito nisto tudo foi... Nada! Para ela sou algo de misterioso neste instante, enquanto caminto até ao fim da rua, e a cruzo. Sem dúvida que pensará na mesma: "Que estúpido, que é que ele quer?.." - e dirá a si própria que eu sou muita coisa, mas nada de bom. Contudo, vai ficar a pensar em mim. Não incluído em algum grupo, como o grupo dos pacóvios, o grupo dos charmosos, mas no meu próprio grupo.
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Muita estratégia para uma coisa tão simples parece. Mas se há coisa que não é simples é fazer baixar as defesas duma mulher que já tem tudo (ou todos) o que quer. Os dados estão lançados, vamos ver em que vai resultar. [continua]

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