domingo, 11 de setembro de 2005

A Mulher do Metro - Parte V

Os dias seguintes passaram normalmente. Havia estudado Laura. Apesar de não saber o que fazia, sabia a que horas saía de casa, a que horas apanhava o metro, onde saía. Portanto, sabia como podermo-nos-íamos cruzar. Não fui "trabalhar" nesses dias, preferi ficar por casa, passear pela cidade, sair à noite, arranjar algumas miudas de vez em quando para não dormir sozinho, enfim, aquele ócio, aquele não fazer nada de útil que sempre adorei.
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Não queria cruzar-me com ela logo nos dias seguintes, aí ela ia topar a minha estratégia. Ia deixar passar uns tempos, um mês até, quem sabe, e aí apareceria mais uma vez no metro. Não diria nada, olharia apenas por um segundo com um ar de "conheço esta miuda de algum lado" e viraria a cara. Depois, se meus cálculos estivessem certos, ela viria falar comigo. Senão, era algo que eu necessitava de melhorar.
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Assim, um mês passou. Não estava minimamente nervoso, tinha a situação sob controlo. Acordei, tomei o meu banho matinal enquanto ouvia Audioslave, Out of Exile. Queria algo com potência. Porque sabia que ia encontrar alguém, sem dúvida, cheia dela. Pus o meu perfume, Deep Blue, que contracenaria com seu Deep Red, numa dança de aromas que quem sabe guiaria seu olhar até mim. sorrio, ela podia olhar para mim por muitas razões, mas não seria pelo perfume.
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Olho o espelho. Contemplo a minha face que foge aos padrões tipicamente russos. Dou graças a Deus por isso. Este conservou-me os olhos e cabelo claro, mas atirou-me mais para parecenças suecas, finlandesas, algo assim. E por isso não costuma ser muito difícil voltar acompanhado para casa. Sorrio mais uma vez ao pensar no quanto sou convencido, mas é apenas a verdade. Sempre preferi não ser hipócrita. Porquê termos consciência apenas dos nossos defeitos, se as virtudes são tão mais apelativas? Equilíbrio é a palavra. Sei que sou, provavelmente, não muito boa pessoa, egoísta, egocentrista e muitos outros adjectivos feios. Mas também sei que sou bonito, charmoso, inteligente, estratega, e muitos outros objectivos não tão feios.
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Dirigo-me então para o metro. Já a vi. Bela. Casaco comprido preto até aos pés, cabelo apanhado no cimo da cabeça, aquela cara que bem podia estar numa revista qualquer. Entro na sua carruagem, examino a distribuição dos lugares vagos, e sento-me numa ponta, sabendo que, apesar de ter entrado mais além, acabaria por se sentar perto de mim.
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Assim o faz. Cruzo o olhar com ela passado uns minutos, vejo sua expressão, delicio-me com ela. Diz algo como: "Olha ele ali... O quê? Não reparou em mim?..." - exactamente. Contudo, o tempo passa, e nada mais. Não se levanta para vir ter comigo, não diz nada. Aproxima-se a "nossa" paragem. Levanto-me, dirigo-me para a porta, ela também. A porta abre-se, Laura passa muito perto de mim, chega mesmo a tocar-me, desprepositadamente, suponho, e sai. Nada.
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Acabo por não sair, volto ao lugar, depois de garantir que esta não vai perceber o meu ar de desilusão. Conformo-me, penso que realmente a mulher é algo mais difícil de entender do que parece, mesmo após tantos anos de treino, sorrio, e vou para casa. Não estou triste, e o pouco de desiludido que estava passa rápido. A VIDA ensinou-me a seguir para a frente.
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Saio do metro, cruzo a estrada em frente ao meu prédio, e vou ao café que se encontra no rés-do-chão deste comprar um pack de Marlboro. Apetece-me. Eis que, meto a mão no bolso direito, nada. Esquerdo, nada. Todos, nada! Sorrio, solto mesmo uma gargalhada. A gaja roubou-me a carteira...

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