sexta-feira, 4 de abril de 2008

40th Godelieve

- Por favor, não vão querer arruinar a noite e o bom espírito deste restaurante com rockzinho moderno pois não? – peço ao empregado de mesa. Estou completamente bêbedo. Sei que se me levantar não cambalearei, e imagino, ou então apenas o espero, que a minha voz não tropeça nos meus dentes, mas sinto a realidade muito mais devagar. O empregado parece aflito.

- Sabe… não sou eu que escolho a música. Posso dar a mensagem, mas…

- Vá, tem calma. Toma 300 Repúblicas, metade para ti, metade para o disc-jokey. Ponham o jazzezinho do costume, ok? – a cara dele a olhar para as três notas diz-me que sim. Provavelmente apenas dirá ao disc-jokey para mudar a música e fica com o dinheiro todo, mas que me interessa a mim.

- Foda-se tens de estar rico! 300 coroas? Foda-se davas-me a mim e íamos para o carro ouvir música! – comenta Arie, com um embriagado sorriso.

- Ouve lá. Nota-se tanto que estou bêbedo como se nota em ti? – pergunto, com curiosidade. Ele tenta falar com calma, disfarçando o álcool que mora neste momento nas suas veias.

- Acho que se nota mais! – soltamos umas sonoras gargalhadas, eventualmente mais audíveis que o que seria conveniente. Mas que interessa o conveniente? Talvez assim Ruud perceba com o tipo de pessoa com que quer lidar e me deixe em paz de vez. Por falar nisso… Olho para a sua mesa, e penso quando algum empregado virá ter comigo com o convite.

- Ouve, amigo – peço – É provável que, a qualquer momento, já que já acabaram de comer, sejamos convidados para aquela mesa. Que dizes? Eu já estou por tudo. E cá para mim, com a bebedeira com que estou, parto a louça toda. – o olhar de sóbrio que quero ter espelha-se na cara de Arie que, subitamente muito sério, me suplica para ter cuidado com o que diga, e sugere irmos já embora.

- Assim ninguém convida ninguém, e vamos ver o resto da noite de New Eagles só os dois.

- New Eagles? Em que língua estamos a falar agora mesmo? – talvez agora seja a minha, a cara de sóbrio, pois detesto quando Arie se põe com estas merdas de inglesismos. Não tenho nenhum ódio, como muita gente, pela parte inglesa, mas não sou daí, nem falo inglês, e por isso não percebo a necessidade disto.

- Foda-se tu e os teus preciosismos! Nieuwe Adelaars! Qual é a diferença? – pergunta, com olhar hesitante. Penso.

- Bem, para continuar esta bela noite, meu caro amigo… tema número dois a evitar: política. De acordo?

- Completamente! – sorri o amigo, com um copo de vinho erguido no ar, esperando o toque do meu, que tarda em aparecer.

- Que foi?

- Bem, e lá vamos! – respondo, ao ver o empregado se aproximar, depois de lhe ter sido segredado algo ao ouvido por parte de Ruud. Não tenho problemas nenhuns em negar o convite. Nenhum. Mas tenho de ser sincero e admitir que a adrenalina e o desplante de estar sentado na mesma mesa com Ruud e com a sua mulher, que mais minha é que sua… é algo demasiado bom para negar.

- Só não faças merda!

- Jamais!

- Eu sabia que não ia rejeitar um bom brandy! – afirma o verme, sorrindo com quantas partículas tem. Imagino que falou aos seus amigos de como está a um passo de me ter do seu lado. Tenho diante de mim a oportunidade ideal de o humilhar. Penso se o quero fazer. E descubro ser estas mais uma das coisas que mudou em mim, com o passar dos tempos… Sempre tentei ser polido, nem sempre por cobardia, mas por respeitar os sentimentos de toda a gente, não obstante tudo de negativo que pudesse sentir pelas mesmas. Nunca vi prazer nenhum em espezinhar alguém. Mas… não sei se estou contente ou não com a perda dessa perspectiva… mas o que é certo é… que mudou.

- É bom que seja um brandy que valha a pena… – respondo, piscando, sarcasticamente, o olho. Ainda não matei o seu sorriso. Gosto de reparar em Arie, e na maneira como se sente desconfortável. É discreto, mas como o conheço sei reparar nos detalhes que o denunciam. Como a maneira como olha para Godelieve. Imagino-o a sentir ciúmes, e gosto disso. Imagino-o a querer estar também com Godelieve, como está com Helga. Não vai acontecer.

- Você e o seu sarcasmo…

- Entrou-lhe alguma coisa para o olho? – pergunto, como resposta à sua resposta, que se materializou da mesma forma que o meu prévio comentário. Arie está prestes a explodir. Ainda não olhei para Godelieve. Quando bêbedo, devo admitir, sinto-me o rei desta merda deste país. E porque não?

Ruud deverá ter já percebido a minha posição, e imagino que selecciona as palavras, vendo as possíveis ratoeiras. Serve-nos de Dom Quixote, o melhor brandy nacional, eleva o seu copo, e todos saboreamos a bebida. Olho para Godelieve, que permanece impassível. Quando o seu olhar se cruza com o meu, lança-me um sorriso nu, exactamente o mesmo que lançaria caso eu fosse… apenas eu. Como a amo. Como adoro esta sua posição, esta sua segurança. E como adoro a minha própria ambivalência de sentimentos, momentos antes chamando-a puta, e agora soçobrando perante a mesma reacção. Qual a piada de sentir sempre o mesmo em relação a tudo?

- Sabe, estava aqui a falar com os meus colegas, que certamente conhece

- Verdade seja dita, Ruud, – interrompo – Eu posso conhecer, mas o meu amigo não conhece, e o senhor nem teve a delicadeza de os apresentar…

- Sim, claro…

- Arie! Prazer! – diz o tímido, levantando-se um pouco da cadeira, e cumprimentando cada pessoa com um aperto de mão. À medida que o faz, Ruud, com um sorriso nervoso, vai enunciando o nome dos presentes, até que chega a Godelieve, e sinto a necessidade de tomar a palavra, tentando manter a difícil tarefa de a ter, para mim, como apenas Godelieve.

- Dizia… – deixo a dica para Ruud continuar o discurso. Parece-me confuso, e estúpido seria se assim não se sentisse, pois está a ver diante de si alguém completamente novo. Curioso como a sua posição e influência no governo é tão superior à minha, mas como sou eu quem tem, e sempre teve, a faca e o queijo na mão. Sei-o porquê, obviamente. Ter-me do seu lado apenas contribuiria para o aumento do seu poder, e quem sabe um dia substituir o actual líder. A necessidade de mais poder será sempre mais importante nas acções das pessoas que o poder em si…

- Sim, claro… Dizia aos meus caros colegas o quanto o senhor está a ser chato – com os dedos no ar e um sorriso galhofeiro, dobra os dedos, sugerindo aspas – connosco, e cisma em manter essa posição que não beneficia ninguém. Digo-lhe uma coisa… quase que preferia que se juntasse aos outros – diz, desfazendo-se, tal como os seus amigos, em gargalhadas – pois a sua indecisão mata-me! – Arie faz-me um sinal, pedindo-me para pensar bem na resposta.

- Ruud… parece que me conheceu ontem… A questão é que prefiro ficar com os meus tomates, e arriscar-me a ficar sem cabeça, do que entregar os primeiros para salvar a segunda! – genial! Bravo, Theodoor, bravo! Por dentro bato palmas a mim mesmo, e sinto uma adrenalina acutilante, tal como a minha intervenção, mexer-me nas vísceras – E assim me despeço, caros amigos – faço eu agora o sinal, dobrando os dedos e lembrando aspas – Foi um prazer – o mesmo.

- Sim, igualmente… – balbucia, reflexivo, Ruud. E acontece. Finalmente vejo aquele olhar maquiavélico conhecido em toda a ilha! Com toda a certeza fruto dos seus esforços para me conquistar, Ruud sempre se desdobrara em simpatias, e eu nunca tivera o prazer de ver esse olhar ameaçador que neste momento, muito provavelmente sem o querer, me atira. Godelieve mantém o seu papel, bravo para ela igualmente.

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