segunda-feira, 14 de abril de 2008

Canto

Miles Davis

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Canto. Canto apenas. Canto canções de toda a gente, desde que sejam tristes. Canto em palcos improvisados, canto em concertos, canto em casa, canto sozinha, canto para outras pessoas… Mas canto. Não sei como sou… se feliz, triste. Mas sei que gosto de cantar, gosto de cantar blues. Vejo os casais no restaurante onde canto, deliciando-se com a minha voz, e eu vendo as mesmas pessoas com diferentes companhias, as mesmas companhias… Não sei como sou, mas sei que gosto de pensar, e isso faz com que seja tão indecisa acerca da minha própria condição.

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Visto o meu longo vestido preto, acendo o cigarro com a boquilha de quase um palmo, e subo ao palco. Apesar de não saber como sou, talvez saiba como não sou. Não sou uma pessoa macambúzia, não me queixo com frequência, não choro. Sinto-me triste, por vezes, como qualquer ser humano, mas a força adquirida com o passar dos anos faz com que a abrace, incorpore, para deitar fora em cada nota que solto através das minhas cordas vocais.

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Quando estou no palco, sinto-me mais eu. No dia-a-dia não posso ascender na VIDA musical. Nunca abdicaria de quem sou, e isso faz com que cante neste restaurante como profissão, quando podia correr Hetwestenland, e quem sabe o mundo, soltando o que vai dentro de mim. Não percebo porque gosto tanto de blues. E porque as outras pessoas gostam tanto… se se está triste, apenas se fica mais triste, pensativo. Será uma necessidade que a pessoas têm?... De se sentir miseráveis vez por vez, de se massacrarem? Quantas pessoas vejo, quando canto nos bares, sentadas ao balcão, olham-me como se fosse sua, não porque estão interessados em mim, mas porque querem absorver toda a tristeza que apregoo, e encharcam-se em whiskey atrás de whiskey, que apenas os faz sentir piores…

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Curiosamente, eu sou igual. Quando chego a casa, e o peso da solidão que me espera se abate sobre mim, apenas deixo o Miles falar comigo, com um copo de baileys na mão e os meus cigarros, e fico sentada a admirar a vista sob New Eagles, a sentir pena de mim própria. Sabe tão bem…

1 comentário:

Sei que existes disse...

É uma pena as pessoas teimarem em não se habituarem a serem felizes...
Beijocas grandes