quinta-feira, 3 de abril de 2008

Godelieve - Thirty Nine

Vejo-me descolar-me do meu corpo, do sítio onde me encontro. Caminho em direcção à mesa, ignoro Ruud, e toco, com a minha mão direita, no ombro de Godelieve. Ele olha para mim, com cara de quem não percebe, naturalmente o que se está a passar, à medida que dou um longo beijo nos carnudos lábios da sua mulher.

- Então, que foi? – recupero as palavras de Arie, que me espera, uns metros adiante, sem perceber para onde olho. O seu olhar segue o meu, e vejo no seu que compreende a ligação entre mim e o político. Tudo isto se passa em poucos segundos, pelo que creio não parecer tão anormal a minha paragem. Faço sinal a Arie, que lhe diz que já a si me junto, e caminho, lentamente, na direcção da mesa para onde fui chamado. Estranhamente, o que mais ocupa o meu pensamento é o facto de, pela primeira vez, provavelmente ir saber o verdadeiro nome de Godelieve, e esta o meu. Penso em como posso contornar tal acontecimento.

- Ora viva! Que gosto em vê-lo por aqui! – cumprimenta o bicho. A primeira etapa foi concluída com sucesso, não me chamou, para já, pelo nome. Enfrento a mesa, onde tenho Ruud à minha esquerda, Godelieve à minha direita, um casal no meio, e dois homens no meio, do outro lado. Aparte da outra mulher que ali se senta, pertencem todos ao governo. Tenho de olhar para Godelieve, e é com surpresa que reparo que quase não repara em mim. A maneira como age faz-me questionar se alguma vez tudo o que penso que aconteceu, terá realmente acontecido. É demasiado genuína. Esboça um ligeiro sorriso, exactamente o mesmo que lançaria caso, em vez de mim, estivesse perante Arie, ou outra pessoas qualquer. Não valeria a pena dizer o quão bela se encontra, mas gosto de o fazer. Inexplicavelmente, uma vez que está a agir da “melhor” maneira possível, sinto-me fora de mim, incrivelmente irritado. Talvez por querer que o meu nível de desconforto seja partilhado por si, por alguém.

- Sim, sim, é raro aparecer por aqui, é verdade. – solto. Não me apetece perguntar se está tudo bem com ele, tampouco cumprimentar os demais. De qualquer maneira, o jogo de gato e rato, em que eu sou o rato caprichoso e perseguido, entre mim e Ruud quase torna a minha antipatia normal. Olho para o meu interlocutor, mas faço saltitar a minha visão entre os cantos da casa, buscando uma desculpa para constatar o desplante de Godelieve em se sentir tão confortável. O seu vestido é rosa, de um tecido que não consigo perceber. Mantém uma conversa, que pelos vistos já antes começara, com o gordo à sua direita, e a maneira como riem abertamente deixa-me com vontade de abrir uma fenda na cabeça feia e adiposa do político.

- Não se quer juntar a nós? Acabamos de pedir! – é-me pedido, como esperava.

- Não, obrigado, estou com um amigo… – respondo, duma forma mais simpática do que aquela que gostaria.

- Não há problema, há espaço para todos! – retalia. Os seus dentes amarelados coroados por uma pequena barbicha e um bigode assassino, expandem-se de uma forma que me deixa indisposto. O ódio que sempre tive por si eleva-se de maneiras inimagináveis ao pensar que nesta mesma noite dormirá com Godelieve.

- Obrigado, mas não vai dar. – finalizo, desta feita com a antipatia disfarçada que procurava.

- Ok, mas dum digestivo não se livra! – diz, quem sabe numa tentativa de ficar com a última palavra, à medida que me afasto

- Vamos ver… – faço-me ouvir, tentando eu, igualmente, e infantilmente, ficar com o veredicto final.

- Que foi, quem eram aqueles? – pergunta-me Arie, olhando para a mesa com um olhar curioso. Tento reparara se repara em Godelieve, mas penso que difícil seria não o fazer – Aquele não é o Ruud? – questiona, segundos depois.

- É… – respondo, enquanto procuro, com o olhar, o empregado, que saltita de mesa em mesa, com um sorriso estúpido e artificial. Quando o seu olhar encontra o meu faço-lhe sinal para se aproximar.

- Não me digas que andas metido em merdas com aquele gajo! – exclama, surpreso, o meu amigo. O seu olhar é preocupado e a antecipar a desilusão caso, imagino, a minha resposta seja afirmativa. O empregado aparece. Pedimos mais dois portos como aperitivo, e pato selvagem com gambas e arroz setentrional, um dos pratos mais típicos da nação. Quando acata o pedido e volta a desaparecer, acendo um cigarro. – Estás a ouvir? – insiste – Andas metido em merdas com aquele gajo?

- Amigo… se queres que te diga a verdade… ando metido em merdas com aquele gaja… – confesso. Não gostei de me ouvir tratar Godelieve por “gaja” e penso que, felizmente, Rudd não teve a cordialidade de me apresentar à sua mulher-troféu, que, puta, não me ligou um caralho. Como é que me arrependo de lhe chamar “gaja” e ao mesmo tempo a chamo de puta sem me arrepender? Arie ri.

- Sim, e eu também, mas é só aos fins-de-semana… tu tens as Quartas não é? Eu queria o resto da semana, mas ela também tem de dar alguma coisa ao marido não é? – graceja. Pobre alma. Está prestes a ter talvez a notícia mais difícil de digerir dos seus últimos tempos. Já a teve, mas a confirmar a sua dificuldade de assimilação, nem sequer a absorver. O meu olhar permanece pregado àquela mesa, onde Godelieve continua em amena cavaqueira com o cavalheiro lambe cus número um de toda Hetwestenland. Não respondo a Arie, o que acaba por ser uma resposta muito mais eficaz – Espera… Estás a brincar comigo, não estás?

- Que te parece Arie? Que te parece? – respondo. Ao mesmo tempo sinto algum fumo ir-me para o olho direito, que massajo. A cara de Arie é impagável. Olha para mim como se não me visse há três anos e eu tivesse engravidado. – Meu deus pá! Aquela gaja

- Não lhe chames de gaja.

- Ok, que interessa? Aquela… senhora, é de quem tens falado? Por quem deixaste Helga? A mulher de Ruud? Tu estás completamente doido? – está a falar mais entusiasticamente do que eu antecipara.

- Fala mais baixo.

- Mais baixo? Tu já percebeste na merda em que te estás a meter? – sussurra, curvado sob a mesa, para eu ouvir melhor.

- Arie… - respondo, com um sorriso mais descontraído do que realmente estou – Não te lembras do que combinamos? Nada de conversas de mulheres hoje… Vamos falar de tudo, menos da merda em que estou metido, ou da merda que andas a fazer… – peço. Efectivamente custa-me ouvir palavras de repreensão dum gajo que anda a foder a minha ex-mulher sem mo dizer. Quer dizer alguma coisa, talvez perguntar o que quero dizer com aquilo, mas faço sinal para abandonarmos o assunto.

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