quarta-feira, 9 de abril de 2008

Onde Estás Quando Não Te Vejo?

- Onde é que estás quando não te vejo? – ela pergunta-me. Admiro o que me rodeia. Um lago gelado, no final duma montanha coberta de neve.

- Onde estás? – pergunto.

- Na praia. Está quente. – ouço. Num ouvido ouço-a dizer-me o quão longe está de mim, no outro chega-me Saeglopur. Não faço a mínima ideia do que os Sigur Ros me dizem naquele momento, cantando em islandês, mas sei o que ela me diz. Está longe, muito longe. “Onde estás quando não te vejo?” – ouço, novamente, badalando a pergunta no meu interior. Não sei, na verdade. Estou longe, mas onde é “longe”. Quando não me vês estou um pouco por todo o lado. Quando não te vejo, estou um pouco por todo lado. Percorro caminhos, sabendo que terei sempre um porto seguro, terei sempre um sítio onde chegar, e esse sítio és tu. Estico a corda e vou desaparecendo, com cuidado para não perder as migalhas de pão que guardam o caminho. Mas sinto que quanto mais longe estou, mais perto estou doutro sítio qualquer, ficando a saber, na verdade, apenas por breves instantes, onde estou quando não me vês, e ficando a pensar onde estarei, olhando os metros que me aguardam, tão perto, à distância de uns pequenos passos. Olho para trás e vejo as migalhas ameaçadas pelos esfomeados pássaros, que investigam se me deixaram, ou não, saber o caminho de volta.

O pão na minha mão escasseia, e faço por deixar as migalhas com menos frequência, até que deixo tão de longe a longe, que me sinto perdido. Confio demasiado na minha memória, e arrisco um pouco mais, ficando na dúvida se poderei, algum dia, voltar a casa. A confiança estica-se mais que as migalhas, e penso na justiça que haverá de… confiar apenas na minha memória. Queria-te aqui, para me ajudares a não esquecer o caminho, mas não podes vir, e dou mais uns passos sozinho, deixando-te sozinha mais um bocadinho. Penso na justiça de te deixar sozinha mais um bocadinho, ou na falta dela… Penso em ti e no Mundo, nas vivências que me podem aguardar, e penso se terei de optar por alguma. Não quero ter de optar, e quero ter-te a ti, e ao mundo, e dar mais uns passos em frente. Mas terei de optar? Será possível ter as duas coisas, ou será que uma invalida a outra de tal maneira, que uma vez com vontade de voltar, possa não encontrar as migalhas?...

- Onde estás quando não te vejo?

- Estou contigo, na mesma. – ouço-me responder. Penso na resposta e questiono quem estou a tentar tranquilizar. Ambos, quem sabe… Penso que, apesar de parecer bonita, e romântica, a resposta acaba por ser um mero sucedâneo, uma espécie de faz-de-conta que sabe bem ouvir e dizer, e penso que, efectivamente, trago-a comigo, mas que não há nada como tê-la à distância de um braço. Um estender a mão e sentir a sua pele. Viajar nesta e aterrar nos seus lábios, que húmidos me beijam, quem sabe preparando um pedido silencioso de “Não voltes a ir…” – mas a eterna questão permanecerá a remoer lentamente, admitindo a confiança dum amor que perdura, buscando na sua própria longevidade, também, mais uma segurança de auto-suficiência. A questão aparece, e a compreensão do outro lado existe, mas a dúvida ao partir, que nem existe, mas se faz mostrar, como uma aparição, de perguntar a mim próprio se… se pode ter as duas coisas.

~

- Onde estás quando não te vejo? – pergunto. Estou na praia, sinto a areia quente nos pés, como um gelado e vejo um par de meninos a fazer castelos de areia. Está longe. Está num lago gelado, faz-me saber. Penso no significado latente, de eu estar no quente, e ele no frio, relembrando-me das vezes em que tivemos milhares de quilómetros entre nós. Custa-me, pois fico, e ele vai. Acho que me custa mais a mim, pois tudo permanece na mesma, mas sem ele, que vai, e nada permanece na mesma, imaginando eu que tanto se entretém com a novidade, e a busca de algo novo. Mas sei que, de certa fora, tem de ir, e compreendo, e por mais que me custe, por mais que não consiga evitar sentir as lágrimas salgadas passear na minha face, ao vê-lo partir, no aeroporto, sei que no fim, voltará para mim, sempre. Não percebo onde vou buscar esta confiança, pois mesmo quando está comigo, os planos na sua mente do próximo sítio a visitar fazem-se sentir, ora num discurso exaltado, ora num olhar dispassarado. Custa-me não poder ir, e vejo-me com ele em cada sítio. E digo-lhe, quando chega, que a todos os sítios onde esteve, me levará. Não gosto quando diz que os sítios novos nunca acabarão, e que me levará a outros onde ele próprio não esteve ainda. Não gosto. Quero estar onde esteve, quero sentir que quando se relembrar dos sítios por onde passou, eu possa fazer parte dessas lembranças.

- Onde estás quando não te vejo? – ecoa a pergunta.

- Estou contigo, na mesma. – o preenchimento que esta bonita frase que me dá é, infelizmente, efémero. Gosto de o ouvir dizer isto, mas não o posso abraçar e dizer-lhe que o amo. Não lhe posso tocar, não o posso beijar. Os dias passam, e ele chega, chega sempre. E com ele o sentimento de estar bem, de estar melhor. De saber que tudo o que amo, tudo o que aprecio, está à distância da mera vontade de estar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Nem tudo que está longe, está distante. E ás vezes, bem perto estamos de algo, que afinal...está longe...não está ali.

:)