quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

15

Boa merda. Não acredito que foi capaz de me fazer isto… [Soa, algures, Silj Nergaard]. Tenho, diante de mim, o quadro, com a mensagem que me faz sentir algo cujo significado não me apetece definir. A um metro, entre mim e o mesmo quadro, uma mesa, onde conversam dois bêbedos com aspecto de revolucionários da treta. Não vale a pena referir o tema. Os revolucionários da treta de Hetwestenland falam de política e de putas. Os revolucionários não falam. Dou um passo, sem nunca largar, com o olhar, a merda do quadro, e sento-me numa cadeira, entre os dois revolucionários da treta. Deixo de os ouvir falar, e reparo, pelo canto do olho, que olham para mim. “Puta do caralho, cobarde do caralho” – penso, enquanto penso, claro no quão astuta a gaja consegue ser. Que faço agora, se prometi a mim mesmo que não deixava nenhum recado para Godelieve?

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- Nós estávamos a conversar! – atira o gorila da direita. Chega até mim o forte odor a Mestiba, a bebida nacional.

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- Pois continuem, estou-me a cagar para a política. – digo, sem muito pensar, e sem largar os olhos da caligrafia da medusa. Sorrio para comigo ao pensar que se já deitei a perder promessas feitas a outras pessoas, não sou eu mesmo que me vou impedir neste caso.

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- Estás-te a rir? – diz-me. Quer problemas. Isto é tudo menos o que preciso. Pela primeira vez arranco os olhos do pequeno pedaço de folha branca. Levanto-me, sem nada dizer, viro-me de costas. – Como é que dizes que te estás a cagar para a política, temos de lutar!! – bem, este “temos de lutar” foi um pouco demais. Vejamos… sei bem quem é a pessoa que está diante de mim. Não quem ele é, mas o que ele representa. E não quero saber se estou a seguir estereótipos. Este é daqueles que adoram demonstrar insurgir-se contra o ditador, adora falar, adora ameaçar a revolução, mas, no final, nada faz, e certamente ainda é pago pelo governo para não agitar as marés mais do que realmente o faz. Estava em andamento em direcção ao bar, encetando a saga do pedido de mais um whiskey, mas volto-me de novo. Dou um passo, decidido, e apoio-me com os dois braços na mesa, olhando, com meus olhos a menos de um palmo dos seus. A sua expressão combina a surpresa com a raiva duma maneira quase harmoniosa.

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- Ouve… eu estou-me a cagar para a política, e se queres lutar, levanta o cu e organiza-te. Eu estou-me a cagar para a política e, julgando pelo teu cheiro, tenho a certeza que a política também se está a cagar para ti! – belo! O lugar que a surpresa ocupava na sua expressão rapidamente é totalmente preenchido pela raiva, levanta-se de rompante, levanta o braço, mas o seu companheiro, que ao mesmo tempo se ergue, aguenta-o. Sinto alguns olhares mexerem no meu perfil, e quando me volto, percebo serem solidários. Estereótipos? Chego ao bar em 3 segundos, e a cada passada sinto injecções de adrenalina que chegam tardias ao meu peito. Chegassem mais cedo e, quem sabe, nada teria dito. A adrenalina mexe-me as emoções e sinto uma alegria enorme, sinto-me a sentir, sinto-me bem vivo dentro de mim, não mais adormecido. O “eu” antigo nunca teria feito algo assim. O “eu” de agora tem razão? Nenhuma, fui eu que fui ter com eles, não o contrário. Interessa? A mim não interessa nada. Fui espontâneo, fui eu, sem os invencíveis trâmites da reflexão em exagero que marcou toda a minha VIDA. Curioso como, nestes momentos em que faço coisas mais estúpidas, tenho mais respeito por mim. Não sei se dantes tinha ou não respeito por mim. Caso não tivesse, não seria de estranhar, não tinha respeito porque não era eu próprio, era uma cópia de algo desconhecido. Caso tivesse, não era por mim que tinha esse respeito, mas por essa cópia.

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Com o whiskey vem a base de cartão beje, que brevemente levará consigo uma mensagem. Peço uma caneta, que deixa parte do seu sangue na base já marcada. Bebo o que falta de uma vez, levanto-me dos altos bancos, e volto a encaminhar-me para o quadro. Os revolucionários da treta voltam a parar de falar e desta feita são ambos que me miram ferozmente. Lanço um sorriso irónico, ao mesmo tempo que levanto a mão, mostrando a base que estava prestes a alcançar aquela espécie de hall of fame da memória. Debruço-me sob a mesa, quase cheiro, desta vez não o suor e lixo entranhados na pele, mas a animosidade dos meus caros amigos.

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Estou fora do bar. A mensagem ficou. Acendo um cigarro, sigo caminho.

5 comentários:

Sónia Miranda disse...

Estou a ver que o teu blog se vai tornar um bom hábito!! :)
Bjins**

Hands of Time disse...

escrita única como sempre!

Sei que existes disse...

Isto daria um bom livro!
Beijocas grandes

Anónimo disse...

Só espero que esses "teus amigos" não tivessem magoado muito ;);)

Anónimo disse...

Hoje, estou com a pedalada toda ;);) e passei por aqui para ver se havia novidades após o recado ter sido colocado.
Estou com alguma curiosidade, o que já não é novidade, pois estas tuas "estórias"...