quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Parte 13

The Cinematic Orchestra - Evolution

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“Caso continuasse nessa estrada… caso continuasse nesta estrada…” – não me saía da cabeça este pensamento. Via diante de mim uma série de destinos, de futuros possíveis, e não conseguia deixar de pensar no hipócrita que estava a ser ao recusar seguir determinado caminho, baseado no medo que tinha de como poderia mudar. O que sou, então? Apenas me conheço, apenas estou em contacto comigo mesmo, com o que sou realmente, se tiver passado pela maior variedade de situações possível. Se as evito com medo do que me possa tornar, posso estar a negar o que, talvez, realmente seja. Se passar por essas situações e me mantiver o mesmo, aí sim, sei que é o que sou. Caso contrário…

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Chego a casa.

- Querida, desculpa estes últimos momentos. Quando falei em marasmo, falava no aborrecimento em que muita gente pode cair, não me estava a colocar como mais aborrecido que qualquer outra pessoa, e não estava, sobretudo, a deixar as culpas cair em ti…

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- Não faz mal amor, eu percebo-te perfeitamente! – responde, e damos um longo e apaixonado beijo.

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Chego a casa. Desta feita na realidade. Penduro a minha gabardina no bengaleiro, juntamente com o chapéu. Vou ao quarto do Arjan, pergunto-lhe como vai a escola, converso um pouco com ele, ajudo-o a fazer os deveres. Ouço a minha mulher pelo resto da casa.

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- O jantar está pronto. – diz, para quem quer ouvir. Penso na conversa da manhã. Não quero de maneira nenhuma uma conversa repetida, e não me apetece repetir a ensaiada frente ao espelho do elevador. Entro na cozinha. Nem levanta os olhos.

- Olá! – digo, meio em tom de brincadeira, com uma cara de podes-olhar-para-mim-vamos-fingir-que-não-se-passou-nada.

- Olá. – responde, em tom baixo. Mal olha para mim, mas quando o faz, sinto-me incomodado. Lembro-me daquele olhar. Ou melhor, lembro-me da força e expressão que aqueles olhos podem ter, mas aquele olhar é novo para mim. Lembro-me da força dos olhos que me apaixonaram, muitos anos antes, e vejo diante de mim um olhar que nunca imaginei ver. Sento-me. Ao longo do jantar vou tentando fazer conversa, através de coisas circunstanciais, imaginado, talvez, que tudo pudesse ficar bem sem sequer mencionar o que se estava a passar. Bem, o que se estava realmente a passar, isso, nunca seria mencionado. Refiro-me ao que ela estava a ver, as reacções que eu tinha vindo a ter. Como as minhas tentativas iam caindo sucessivamente no vazio, ia sentindo crescer dentro de mim uma certa irritação, como que um menino na esperança de agradar que não recebe resposta. Vai respondendo com leves sons, e isto quando o faz.

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No final do jantar, dou um beijo a Arjan, levanto-me, e vou para a varanda fumar um cigarro, depois de me ter servido um whiskey.

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“Ela tem de suspeitar! Ando para aqui feito parvo com reacções de merda, nem sequer estou a disfarçar um caralho! Será que sou demasiado genuíno e não consigo agir normalmente sabendo o que ando a fazer? Oh, o melhor é deixar-me de merdas, porque é o que sou, realmente. Genuíno o caralho, sou é um merdas…” – vou pensando, na varanda. Apesar do conteúdo não o ser, os pensamentos surgem calmamente, e vagueiam pelos cantos da minha mente sem fazer mossa, quase como se esta já os esperasse, e quase como se eu, realmente, estivesse contente por ser um merdas.
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Volto a entrar na sala, sento-me a ver televisão. Ela vai fazendo não sei bem o quê, e acaba por ir para a cama, pouco passa das onze. O que tenho diante de mim é o aborrecimento num quadro. Do quadro faço parte eu, sentado num sofá, na mão esquerda um copo, na direita um comando de televisão, uma televisão na outra ponta e uma mesa a dividir. Estarei viciado em excitação, com uma tolerância abaixo de zero para o aborrecimento? E, pensando bem, não deveríamos todos estar assim?

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Aconteceu. Não penso nela. Ou melhor, não penso cem por cento nela. Penso mais na curiosidade que tenho em saber se ela deixou algum bilhete no café. Vou, apenas, ver. Não deixo bilhete nenhum. Verdade. Acima de tudo, vou dar uma volta, sentir o Vento na face, fumar uns cigarros, beber uns copos, falar com pessoas. Sentir.

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Levanto-me, visto a gabardina, ponho o chapéu na cabeça, e meto-me no elevador. Olho para o espelho.

- Como correu a conversa? – pergunta-me.

- Não me fodas… – atiro, enquanto acendo um cigarro, ignorando os sinais proibitivos bem visíveis.

- Não, a sério, diz-me lá, como correu? – o tom é sarcástico – Estou curioso. Temos-te de volta ou quê? Tens-te de volta, ou quê?

- Ter-me-ás de volta mais logo, quando eu for dormir. Não há grande diferença entre os estados de viver nessa altura. Apenas os olhos estão fechados… – digo, com irritação. Acabo por dizer, talvez, mais do que sinto, magoando-me, neste diálogo interno.

- Vais?

- A tua VIDA está lá em cima à espera, sabes bem onde… Podes ir… – respondo, deixando tudo dentro daquele elevador, deixando o espelho sem ninguém a o habitar. O porteiro cumprimenta-me, quase me pergunta onde vou a estas horas, mas o meu cumprimento segue-se de passadas decididas em direcção ao exterior, que atiram por terra a sua oportunidade. A cidade está agitada, muito se passa nas ruas. O Vento sopra forte, o céu está carregado. Chamo um táxi. É o mesmo taxista que me levou para o hotel com Godelieve.

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“Este tipo de sinais não existem. Pura coincidência, sê racional.”

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Entro no café.

1 comentário:

Sónia Miranda disse...

Cinematic Orchestra - simplesmente magnífico!!