terça-feira, 15 de janeiro de 2008

The O.C.

Vivo com uma maldição que me atormenta dia após dia. Cada frase destas que escrevo foi escrita três ou quatro vezes, para ter a certeza que fica bem. Quando saio de casa, caminho uns passos, o coração bate acelerado. Chamo-me à razão, não consigo. A cada passo que dou sinto-me mais nervoso e inquietante. Nervoso. Quando consigo caminhar mais que 20 metros, o bater desenfreado do coração é acompanhado por umas gotas de suor na testa. Tenho de voltar para trás, e confirmar se realmente a porta ficou bem fechada.

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Não tenho quem me consiga ajudar. Esqueci psiquiatras, psicólogos, esqueci tudo, pois de tudo já tentei, sem qualquer resultado. Os meus pais começaram a perceber quando, era eu criança, não conseguia comer nenhum prato que não estivesse devidamente organizado. Se uma ervilha tocava no arroz, era para mim impossível comer aquilo. O meu pai batia-me, como me batia, não percebendo algo que eu próprio não percebia. Em dias em que estava mais irritado, enfiava-me a comida na boca, acabando por me ver vomitar mesmo à sua frente. A minha mãe percebeu mais rápido que era algo que não mudaria, e fazia por me deixar tudo separado. Apesar de tudo, foi a altura em que fui mais feliz, já que se manifestava apenas em momentos que não influenciavam a minha VIDA. Apenas nas refeições. Quando comecei a não conseguir comer com os talheres comuns da casa, e quando descobriu na minha mesinha de cabeceira um par de talheres que levava para a cantina da escola, começou a preocupar-se mais. Levou-me a uma série de terapeutas, e quando viu que, com o passar do tempo, eu apenas piorava. Levou-me a um… bruxo. Nada.

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Isso fez com que tenha muitos poucos amigos, nunca tenha conseguido ter uma relação íntima com ninguém, e com que nunca tenha beijado ninguém. A medicação ajuda, mas não muda. Ajuda, mas não muda. Nada me muda.

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As obsessões são tantas, e estúpidas, girando a maior parte acerca duma incerteza constante que se abate sobre mim. “Terei fechado bem a porta? Estará tudo limpo e imaculado como preciso que esteja? Está qualquer coisa que eu faça bem feito?”. O resultado destas estúpidas obsessões leva-me a confirmar tudo um sem número de vezes. Não o faço sempre em números ímpares, ou um número certo de vezes, como tantas vezes se vê nos filmes, faço apenas o número de vezes que acho necessário para confirmar realmente algo que podia ser confirmado à primeira.

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Tudo isto leva-me a evitar todos os locais públicos onde possa ser humilhado, onde possam reparar que não sou… normal. Algo com que os especialistas me ajudaram foi na escolha de uma profissão que se coadunasse com o meu problema. Isto é, algo em que estas obsessões se diluíssem um pouco, e 8h por dia me fizessem sentir como uma pessoa entre tantas outras, com os mesmos problemas das outras, e não com um problema que me põe na margem de toda a gente.

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Mas 8h por dia são apenas 8h por dia. O que é o resto? O que é sentir que não tenho VIDA própria e que os receios infindáveis me levam a não me envolver com quase ninguém? O que é sentir que é como se outra pessoa habitasse dentro de mim e me dissesse constantemente o que tenho de fazer?...

3 comentários:

Sónia Miranda disse...

Misterioso o ser humano e tudo o que o compõe, certo?

Anónimo disse...

Só fiquei interrogado foi o porque do título. A "estória" está mais uma vez diferente, consegues espantar sempre com algo de novo e bom..

Unknown disse...

Adicionei um link para aqui no meu blog, força na escrita e em qualquer projecto teu, abraço