Vejo Godelieve ao fundo, está com outro homem, a beijá-lo fortemente. Aproximo-me e fico em pé, diante de ambos, a fumar um cigarro e a observá-los.
Seria assim que reagiria caso isto fosse verdade? Acho que não. Da maneira como tenho andado, o mais certo seria… não sei. Não sei mesmo. Entro no café. O som é agradável. Há um cheiro a coco no ar, não sei de onde vem. O ar, como sempre, apresenta-se carregado, vejo nuvens de fumo a vaguear de canto para canto. Penduro a minha gabardina no canto. Escuto o que se passa ao meu redor, e tento sentir as coisas com mais intensidade. Estabeleço a comparação na minha mente. Se estivesse em casa estaria a ver televisão, muito provavelmente. Que vale isso? Mesmo que estivesse a ver algo útil, como… as notícias, de que vale, realmente, estar a par do que se passa no país, se o que se passará no futuro, a nível político, será o mesmo?
Vejo, ao fundo, o quadro. Incrível a centena de notas, bilhetes, mensagens que vejo pendurados. Num momento penso que me será impossível descobrir um eventual bilhete. Segundos depois lembro-me do local onde disse que o poria. Sento-me no balcão, peço um whiskey.
- Algum em especial? – curioso. A primeira vez que me fazem tal pergunta.
- Hum… pode ser um Jack Daniels… – servem-me e dou um gole. Saio de mim e observo-me. O “eu” do passado veria alguém como o “eu” do presente, alguém, sozinho, num balcão, a beber whiskey, e considerá-lo-ia um falhado, um fracasso, um nada. O “eu” do presente considera o “eu” do passado um iludido. Qual está certo? Não faço a mínima ideia. Por um lado odeio Godelieve por ter agitado toda a minha estrutura, por outro lado amo-a, morro por ela, pois mostrou-me o verdadeiro “eu”, sem passado, presente ou futuro.
Incrível como sinto as minhas opiniões acerca de tanta cosia variarem a cada segundo. Gera-se um misto de pena e raiva por quem tem certezas acerca das coisas, e sobretudo, acerca de si, pois sei que isso é algo impossível. Penso na frase que soa invariavelmente corriqueira “a única certeza é não haver certezas” e sorrio, ao dar um gole, com a verdade arrebatadora que representa, como se a VIDA e a condição humana não pudesse ser melhor explicada. Não sei que rumo tenho, mas isso agrada-me.
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Penso no que prometera a mim próprio. “Não deixo nenhum bilhete”. Não deixarei. Levanto-me do alto banco onde descansava e, lentamente, caminho em direcção ao quadro. A pilha de bilhetes é interessante. Sei o local onde eventualmente estará uma mensagem para mim. Como que numa espécie de masoquismo, faço por dar uma olhada a todos os bilhetes ao redor do nosso local, e apenas no final, depois de algumas gargalhadas e sorrisos, olho para onde quero olhar. Tenho de procurar bem. Nem faço ideia de como será. Não vejo nenhum bilhete com o meu nome e isso faz-me pensar que não me deixou nada. Todavia, pensando bem, recordo-me de como, talvez na realidade me chamo. Theodoor. Procuro este nome, ou o seu nome, na nossa realidade, entre o amontoado de bilhetes.
“Theodoor, deixa-me uma mensagem. Godelieve.”
4 comentários:
Continuas com uma escrita fabulosa!
Beijo grande
Fantástico, lindo *
E será esta troca de mensagens que fomentará todo o futuro e fará com que o eu cada vez mais se descubra. Na vida precisámos de momentos sós e momentos a dois...nunca conseguiremos a estabilidade se não conseguirmos um pouco de cada.
beijo
Passei cá a convite de um amigo nosso em comum (o António Pedro), gostei muito, parabéns! Passa nos meus blogues quando puderes, vais gostar, abraço
João Paulo (superbock superock de alguns anos atrás)
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