segunda-feira, 10 de março de 2008

Godelieve 32

Tentava não dar importância ao que se tinha passado, ao que H me tinha dito, à maneira tão acutilante e perspicaz como me tinha lido. Passei os dias seguintes a tentar afastar pensamentos que invariavelmente se colavam à minha mente. Queria estar com Godelieve, tê-la em casa, só para mim, mas ainda tinha de esperar mais 3 semanas. Não sabia bem até que ponto estava a lidar bem com a minha decisão de a ver passado tanto tempo…

Quarta-Feira. Estou sentado na minha sala, duas pedras de gelo bailam no meu copo de Jack Daniels. Liguei a aparelhagem, e o rádio mostra-me Everything Changes, Staind. Curioso. Realmente, tudo muda, e tudo mudou nestes últimos tempos. Sinto-me um pouco sozinho. As paredes ao meu redor fazem-me sentir isolado, numa ilha, dentro de outra ilha, que é este estranho país, dividido, como eu…

Ligo a X. O jantar de Sábado com H não me esclareceu nada. Apenas me deixou mais confuso. Talvez X possa trazer alguma luz ao que se passa entre ele e H. Ou se se passa realmente algo.

- Olá… Tudo bem? – pergunto. Ouço vozes ao fundo, e a primeira coisa que penso é se será Arjan a falar com a mãe.

- Tudo, tudo… e contigo?

- Tudo óptimo – minto – Onde estás? – pausa.

- Estou em casa… porquê?

- Por nada… olha, não queres ir jantar fora logo? Beber uns copos, andar por aí… há algum tempo que não estamos juntos… – sugiro. Efectivamente, é verdade. Tendo em conta o número de vezes em que nos encontrávamos, sentia que, desde o último jantar, em que partilhara consigo a minha nova maneira de pensar, tínhamos vindo a nos encontrar menos. Questionava-me se se teria sentido assustado e confuso… Não sei.

- Sim, tens razão… Mas hoje não vai dar, rapaz… Tenho algo combinado… – estranho.

- Não há problema! Descombinas! – sugiro, a rir. Apesar de estar a brincar, não seria a primeira ou, esperava eu, a última, vez que descombinávamos algo para irmos jantar.

- Pois… mas é que desta vez não vai dar mesmo… é que vou encontrar-me com uma amiga, estás a ver… – bem, parece que levou mesmo a sério o que lhe disse. Penso no que terá percebido das minhas palavras. Eu não lhe disse “trair a tua esposa é bom”, mas simplesmente que deveríamos ser verdadeiros connosco próprios… isso não tem de implicar fazer asneira atrás de asneira… Se bem que muitas vezes… sim… – E hoje é uma dia em que ela pode mesmo, porque geralmente tem outras coisas… Pá, não te posso explicar bem o que é ao telefone, fica para uma próxima, ok?

- Bem, ok, eu percebo. Então liga-me quando puderes. – e desligamos. Fico um bocado mais descansado. Se andava com H e não me tinha vindo a dizer, não estaria a mentir, mas a omitir. Mas se me diz que se vai encontrar com uma amiga, e não me diz que se vai encontrar com H… continua a omitir, mas esta omissão já entra no campo da mentira.

Durante a próxima meia hora sinto-me subitamente, estúpido! E irresponsável. “Como é que me esqueci que hoje vou buscar o Arjan?!” – penso. Que estupidez! Tinha-me esquecido completamente que tinha combinado com H que nesta noite o nosso filho dormiria em nossa casa. Sim… e que ela dormiria sozinha… a noite em que podia fazer qualquer coisa. Claro como água. Odeio X nesse momento. Como é que é capaz de fazer uma coisa dessas? E odeio este meu próprio sentimento, esta inexplicável revolta, quando até me deveria sentir feliz, por duas pessoas de quem gosto estarem felizes. Talvez o instinto de posse em que já pensei esteja a falar mais alto, talvez… não! Sei que não é por ainda amar H! Não é porque sei que tenho entregue todos os meus sentimentos a Godelieve. Apenas a ideia que não conhecia de H como alguém misterioso, alguém que ainda não me mostrou tudo faz sobreviver algum interesse por si. É uma coisa simples, o mistério, mas ainda assim… deixa-me assim. Mas, quem é que quero enganar? O mistério é uma coisa simples? Desde quando? Não fora o mistério que fizera Godelieve aterrasse na minha VIDA, que a colocara mesmo no centro de tudo o que eu sentia? Sim. Por isso, posso dizer, que o mistério, não só não é uma coisa simples, como é das mais fantásticas que temos. A ideia de não saber o que se encontra atrás daquela invisível cortina… a ideia de não saber o que esperar de alguém é das melhores coisas que podemos sentir. Pois não sabendo, imaginamos, e quando imaginamos, podemos estar onde quisermos…

- Olá filho, tudo bem?

- Tudo, pai! Alugaste um filme?

- Sim, aluguei! Vamos?

- Vamos!

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