sábado, 29 de março de 2008

Godlieve - XXXVII

Segunda-feira. Mais um capítulo na VIDA fodida de… Theodoor? Sei lá, já não sei bem quem sou, em que patamar me encontro… Viajo dentro de mim à procura da resposta que me ilude sucessivas vezes, dependendo de com quem esteja. Ilude. Quando sozinho é quando a tenho como mais ténue. Desaparece entre imagens que crio e situações que não chego a viver. É o início duma nova semana e posso, ao menos respirar de alívio, pois tenho diante de mim o próximo passo com Godelieve. Passo? Não. Os passos já foram dados, caminhamos juntos agora, suponho. Talvez o próximo… não sei. Juro que não sei.

Curioso como tanto pensei neste momento, o momento em que a “poderia” contactar, e nem pensei em como o fazer. Isso assusta-me um pouco. Não entro em pânico, mas penso, agitado, e nitidamente exagerando… se conseguirei encontrar um método de a contactar. Sei que sim, e penso se apreciarei este sofrimento, sendo que, apesar da resposta não ser difícil, gosto de a afastar, pensando que a posso ter perto de mim quando quiser. Talvez o mesmo que faço com a própria Godelieve. Poderei afastá-la tanto, jogar tanto com os meus sentimentos, que a perca e não a saiba recuperar? Foda-se que pensamentos de merda…

Terça-feira. Estarei, creio, numa situação parecida com a mítica página branca do escritor. Tudo depende de mim, e tenho várias maneiras de o fazer, mas quero a melhor, e por isso permaneço, não na dúvida, mas numa espécie de escuridão.

Quarta-Feira. Vrijheid? Não. Como saberei que lá vai?... Quero estar com ela este fim-de-semana. Não disse que seria no final de quatro semanas. Disse apenas que seria em quatro semanas, por isso não vou ligar a preciosismos e vou agarrar a oportunidade de a ter perto de mim o mais cedo possível. Um pensamento que não é meu, ou pelo menos não é típico do típico eu, me assalta. Se estiver com ela esta semana e ela quiser esperar mais quatro semanas, apenas a verei… pára! Não continuarei a frase. Perdi-me na própria incongruência do estúpido e sem sentido pensamento. Sim. Disse-lhe que saberia como a contactar. Imagino-a neste momento, completamente sedutora numa qualquer biblioteca de Nieuwe Adelaars a beber um chá e a pensar na maneira como tenho tudo sob controlo. Penso se a imagem que tenho da imagem que tem de mim estará certa. E penso em como, caso esteja, tão distante se encontra da verdadeira imagem de mim, alguém dividido em pó, à espera de algo que ora afasta, ora aproxima… boa merda…

Não estive com Adriaan ou Helga toda a semana. Esta ligou-me a perguntar se não o queria ir buscar à escola, ou jantar com ele, mas tive de inventar uma qualquer desculpa para não o fazer. Tive? Não tive, quis, ou preferi… O último Domingo deixou-me em muito mau estado. E custa sempre a dobrar, quando estamos em tal mal estado, mas a imagem que queremos que prevaleça seja uma completamente diferente. Tudo estaria tão melhor se Godelieve esperasse por mim em casa. Todos os dias. Helga que se foda. Sim… assim como a engano, com esta aparência de segurança quando, no fundo, reside uma espécie de caos, o que me garante que com Helga não se passará o mesmo? E o que me garante, a mim próprio, que apenas penso isto para me sentir mais em paz com a ideia de que já me ultrapassou, e que… não sei, nem tudo é o que parece.

Chego a casa, depois do trabalho. Saio de casa, depois de me sentar no sofá por meia hora sem nada fazer. Entro no primeiro bar, ao virar da esquina, mal frequentado, com revolucionários da treta e bandeiras da treta na parede. Não quero merdas, apenas um whiskey. Lembro-me do episódio no Vrijheid com os outros revolucionários da treta e tenho saudade dessa personalidade que por vezes me habita e me enche de confiança. A ambivalência interior massacra, e o que me prova que o que sinto por Godelieve é algo inominável, é o facto de estar a sofrer, neste preciso instante, como não sofria há muitos anos, e não me arrepender de nada que tenha feito. Foda-se e porque é que me recordo tantas vezes que de nada me arrependo?

Um simples telefonema e arrumo a questão. Mas nem sei por quem chamar, não sei o seu nome. Sei que concerteza uma empregada atenderá. Sim, claro, posso sempre chamá-la pelo último nome do marido. Sei, já nem sei como, que não o adoptou, mas concerteza a empregada perceberá. Mas e se for Ruud? Desligo. Tão simples quanto isso. Tiro o telefone do bolso, e percebo que não sei o número. Tenho de ligar a uma pessoa que o saiba. Quase que nem preciso de seleccionar um nome em particular da lista, e isso faz-me voltar a pensar na rede que (não) tenho.

Sim. Tudo. Nome? Obrigado. Não. Quem sabe um dia. Ok. E acaba a conversa. Tenho o número. O telefone anuncia o estabelecimento da ligação. Ouço, do outro lado, uma voz masculina perguntar quem é. Todavia, não me parece que seja a voz de Ruud. Chamo pela senhora.

- Sim? – o whiskey salta do meu estômago para o meu sangue e sinto-me subitamente embriagado ao ouvir a sua voz de areia. Mais uma vez, nem pensei no que dizer.

- Sou eu. – anuncio-me. Não espero pela pausa do outro lado – Vrijheid, Sábado. Espero ver-te, adeus. – não querendo parecer um menino de escola que deixa um recado à sua apaixonada a toda a velocidade e desliga, falo pausadamente, mas forte, impedindo que responda, quem sabe dizendo que não me pode encontrar. Desligo sem ouvir uma resposta. o whiskey voa pelos cantos dos meus órgãos como se de água se tratasse, e assim vou bebendo. Permaneço no mesmo café, sem os problemas que não queria, apenas bebendo e fumando Dunhill atrás de Dunhill. Espero um sentimento que tarda em aparecer. Queria sentir-me mais em paz depois de ter uma data. Mas não o sinto. Como será possível? Sinto-me ainda pior, pois sinto-me como dantes me sentia, com o acréscimo de que por agora esperava sentir-me melhor. Penso na minha própria estupidez de não ter querido ouvir uma resposta e aí as minhas dúvidas esclarecem-se. Sim, apesar de não o querer admitir, devo ter efectivamente um qualquer prazer nesta dor que a espera me provoca. Será o momento do encontro tão melhor quanto maior a dor que o antecedeu? Será isso?

Foda-se. Vou para casa, enterro-me no sofá. Não tenho cigarros. Que se foda. Não. Volto a descer, compro, volto a subir. Desta feita sento-me na varanda, com a cidade a rezar para mim. Escolho “Braille”, de Regina Spektor, que deixo em repetição. Qualquer sonoridade que me deixe a sentir-me com pena de mim é boa. A VIDA das pálpebras vai, sub-repticiamente, à sua própria VIDA, e quando as volto a abrir, as luzes da capital mostram-me que um novo dia começou.

Quinta-Feira. Acordo com o sentimento indesejável ainda um pouco adormecido, o que me alegra. Quem sabe esteja desfasado de mim, pois um ou duas horas depois, quando já no trabalho, o sentimento acorda. Não tenho música nem whiskey, o que é pena.

Sexta-Feira.

1 comentário:

Anónimo disse...

Um turbilhão de ideias para uma coisa (tão) só.

E por aqui vou passando para te (re)ler e deixar um abraço ;)