quarta-feira, 12 de março de 2008

Quero Voltar Para Mim

Reckoner - Radiohead

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Desespero. Caminho pelas ruas. O meu corpo pede, o meu corpo pede muito. O meu corpo pede e reivindica, não me deixando sossegar. Tremo em cada poro, os olhos querem revirar, tento concentrar-me, e ao mesmo tempo alhear-me. Caminho pelas ruas de chinelos, t-shirt e calças de ganga, as mais velhas do país, imagino. As pessoas passam por mim. As pessoas passam por mim. Estico a mão, peço algo, mas chamam-me nomes com o olhar. “Drogado”. Sou, pois sou. Mas neste preciso momento, quero ser ainda mais, porque preciso mais do que alguma vez. Penso sempre isto quando ressaco violentamente. Como se a cada vez me acrescentassem um peso de 10 quilos nos ombros. Talvez por isso o meu caminhar tenha um olhar tão pesado. Penso nos meus pais, lá longe, que não ouvem de mim faz tanto tempo. Passo por um velho, que levanta dinheiro. O instinto é mais forte, a mão mais rápida. Num momento tenho 100 euros na mão. Quero correr, quero fugir. Sei que ele não me apanha, é velho. Mas eu estou todo destruído, não é difícil perseguir-me. Corro uns metros, ouvindo o velho gritar por ajuda. Já penso no bairro do Ingote quando sinto um violento pontapé nas pernas. Voo uns metros e caio redondo no chão, as notas a voar. Olho para trás e vejo dois rapazes, um apanha o dinheiro para dar ao velho, o outro dá-me pontapés na barriga. Não pára. Não quero que pare. Quero sentir a dor violenta que me afasta dos meus próprios pensamentos. Estou a sangrar. “Mata-me filho da puta, mata-me!” – exijo. É tudo o que quero. Quero desaparecer. Quero morrer e voltar a ver-me há dois anos atrás, voltar a aterrar no corpo saudável do jovem que já fui. Quero desaparecer, deixar de sentir o que sinto, deixar de sentir a culpa enorme por tanto ter magoado quem magoei, que só me faz querer magoar mais, pois apenas um chuto alivia. O gajo afasta-se. Penso na ironia de que os chutos com que me espancou fizeram-me não pensar no outro chuto em que tanto penso. Choro agressivamente, deitado no chão molhado. Confundo terra com sangue com água. “Mata-me filho da puta, mata-me” – digo, baixinho, deixando as lágrimas entrar também nessa mistura sangrenta. Quero voltar para mim…

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