segunda-feira, 10 de março de 2008

Godelieve 31

Continuamos a caminhar estrada fora. A minha mente mexe-se a uma velocidade impressionante. Vejo diante de mim uma infinidade de possibilidades, e não sei qual quero escolher, não sei qual será a melhor. Espero que diga algo, mas ela vai caminhando, um metro à minha frente, a cantarolar qualquer coisa. Pára.

- Olha… não me queres dar um cigarro? – mas quem és tu? Cada vez percebo menos o que se passa consigo, com estas reacções e atitudes que lhe desconhecia.

- Mas… estás a gozar, certo? – estou a ser genuíno. Realmente acho que está a brincar comigo. Porém, o seu olhar é de alguma surpresa, sugerindo-me, ao mesmo tempo, que pedir-me um cigarro era algo naturalíssimo.

- A gozar? Não, porquê? Apetece-me, só isso…

- Mas tu nunca fumaste um cigarro na tua VIDA. Quer dizer… pelo menos comigo… – esta minha última observação traz consigo alguma dúvida.

- Sim, sim, tens razão… – olhas o infinito, com os olhos semicerrados, vejo que pensas e percebes que o que digo faz todo o sentido – E daí? – perguntas, contudo, no segundo seguinte. Encolho os ombros, tiro um Dunhill, que te entrego. Ficas a olhar para mim com um olhar que parece chamar-me de estúpido. Sim, percebo. Lume. Acendes, o cigarro, e tosses duas ou três vezes, até apanhar o ritmo. Ris, de ti para ti, com a maneira infantil como fumaste o teu primeiro cigarro. “Quem é que fuma o primeiro cigarro com esta idade?”, passa-me pela cabeça. Penso que era o que eu faria, tendo a atitude que tenho vindo a ter, mas penso também que H. não é quem eu sou, tampouco alguma vez seguiu estes princípios que tanto já apelidou de ridículos.

Continuamos a caminhar, dobramos a primeira esquina, virando à direita. Foi por opção dela que tomamos esta direcção, e quando vejo um hotel ao fundo, percebo o que significa. Mas… quero eu isto? Não esqueço Godelieve, nunca. E sei que caso entre no hotel com H., o que se passará não fará com que sinta um grama que seja a menos da paixão que sinto por Godelieve. Mas o que H. me está a mostrar, ao mesmo tempo, faz com que a surpresa que sinto agarre o desejo por si esquecido, e o ponha a nu, na minha mão. Aproximamo-nos da entrada do hotel, caminhando lentamente. O meu braço direito abraça a sua anca. Paro, quando estamos à entrada, mas sinto por sua parte alguma resistência. Quando percebe, roda, e encara-me, olhando-me com os seus olhos verdes, que me dizem algo que não consigo decifrar.

- Que foi? – pergunta, inocentemente.

- Não entramos?... – a minha voz decidira por mim. Ia pensando se deveríamos entrar ou não, sendo que entrar ali apenas poderia significar uma coisa. Mas o meu corpo quis parar na entrada do hotel, e a minha voz mostrou-lhe que estava correcto. Ela mantém o seu olhar colado ao meu. Não satisfeita, cola também os seus lábios aos meus, permanecendo assim uns 6 segundos, até que abre espaço para a sua língua entrar, e tocar na minha. Correspondo, e damos um longo beijo. Sinto o sabor a tabaco na sua boca, mas, ao contrário do normal, agrada-me. Talvez por em si ser tão diferente. O beijo é o beijo mais apaixonado que demos nos últimos anos. Percebo que foi a melhor decisão… a decisão de entrar no hotel. Ela larga os meus lábios, e olha-me profundamente.

- Meu querido… não faço ideia da confusão que deve ir na tua cabeça… – diz-me. Quero acreditar que é apenas uma piada. Dá-me outro beijo, desta feita apenas um tocar de pele – Eu vou para casa, só isso. Mas gostei muito do jantar, temos de repetir. Xau querido. – e continua a caminhar. Ao longo da noite tinha-me preparado para ser surpreendido, pelo que as “surpresas” subsequentes foram amenizadas. Contudo, não estava preparado para esta… Sei que não estava a brincar comigo… Vejo-a desaparecer lentamente na escuridão da noite, e sei que tudo aquilo não fora uma manipulação… não sei porque o sei com tanta certeza, uma vez que, aparentemente, não conheço H. tão bem como imaginava, mas sinto-o… E não quero acreditar no que acabara de acontecer… Penso no quão estúpido fui momentos antes, pensando nas hipóteses que eu pensava como certas, pensando na qual eu deveria escolher, que decisão eu deveria tomar… nunca pensando que ela também tivesse direito à sua própria decisão.

Volto para trás, e caminho pela rua deserta, procurando um táxi. Sinto-me fraco. Não, mais que me sentir fraco, sinto-me um fraco, e sinto-me, até, ofendido… sei que é apenas por orgulho. Mas penso que direito tem de dizer que estou confuso. Reúno toda a racionalidade que possuo (que sinto, por vezes, ser cada vez menos) e sei que apenas me sinto ofendido porque ela acertou exactamente no que vai dentro de mim… uma confusão que me deixa sem saber o que fazer, o que pensar, o que sentir… incrível o sentimento de não saber o que sentir…

Sem comentários: