quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Passei a primeira semana numa estranha paz. Ia levando e buscando de vez em quando Arjan à escola, e jantamos juntos um par de vezes. Ele perguntava a razão pela qual não vivia com a mãe, e porque nos tínhamos separado, e eu ouvia-me dizer o que tantas vezes antes ouvira os personagens de filmes dizer… “O papá e a mamã já não se davam tão bem, e foi o melhor. Mas está tudo bem…” – nem por isso estava. Não tinha conseguido, ainda, não sei porquê, ir a sua casa. Apesar de convencido das suas puras intenções, queria apurar melhor o papel de X em toda esta situação. Queria aparecer em casa de H e simplesmente perguntar, mas não achava apropriado.

Todavia, os pensamentos iam martelando, e convidei-a para jantar no Sábado. Estranhou, e fiquei com receio que pensasse que queria reatar o que tínhamos perdido. Quereria, no fundo, num nível mais inconsciente, e não me apercebera? Não, acho que não. Mas por outro lado… Será que me dava prazer a relação proibida com Godelieve de parte a parte?... Sim, dava. Mas apesar de neste momento a relação ser apenas proibida no que a Godelieve dizia respeito, não sentia como se tivesse perdido alguma da excitação. Vez por vez arrependia-me da decisão que havia tomado de estar tanto tempo sem a ver, mas simplesmente encolhia os ombros, pensando que não havia nada a fazer… E tinha-lhe mostrado, imaginava, que também eu tenho o meu papel de poder nesta estranha relação.

- Posso saber qual é o motivo deste jantar? – pergunta-me. Estamos no mesmo restaurante onde jantei com Godelieve. Tanto os pensamentos martelaram, que queria saber, não só o que se passava entre H e X, mas também saber até que ponto poderia sentir ainda algo por H. Vejo a mesma senhora que cantava da primeira vez em que ali estive, da mesma forma, no palco, soltando suaves notas que ondulavam até aos ouvidos dos presentes. O vestido era parecido ao preto que envergara da primeira vez, mas desta feita era branco. Reparo que também o padrão das mesas e das cadeiras alternara. Se da primeira vez as primeiras estavam revestidas por uma toalha branca e as segundas eram pretas, agora tinham alternado. Canta “Besame” duma forma tão perfeita que me deixa a pensar se não será nativa dum país de língua espanhola. Fá-lo bem, e chego a preferir a sua versão à de Diana Krall, que mais vezes ouvira nos últimos tempos. – Estás-me a ouvir? – pergunta.

- Desculpa, estava entretido a apreciar o sítio…

- Sim, é bonito… e a senhora canta muito bem… – se ela tentava perceber as razões pelas quais sugeri o jantar, eu tentava perceber o que a levara a aceitar tão prontamente. Não a estava a perceber. Não estava chateada, não estava triste. E estava bela, muito bela. Não trazia um vestido, mas ainda assim o requinte era algo que trouxera consigo. Uma saia branca, que se perdia um pouco na cadeira da mesma cor, uma camisa apertada, preta, e um lenço discreto a completar a noite branca e preta… – E…

- Sim, o motivo… Se queres que te diga, nada de especial. Só queria saber como estavas, e, apesar de tudo, não quero que nos afastemos e deixemos algum ódio a crescer entre nós… – Não sei se terei ido longe de mais. É que a frase parecia simples, mas sugeria-me que lhe pudesse sugerir algo de diferente…

- Não te preocupes… temos de nos adaptar… – esta forma como acabou a frase deixou-me, mais uma vez, a pensar… Dou um gole do vinho que desaparece do largo copo de balão, e penso no que quis dizer com aquilo. Estarei a ver significados onde não existem?... Acho que não, pois acabou a frase com o volume da mesma a baixar, não me olhando nos olhos, e falando mais para si do que para mim.

- O que é que queres dizer com isso?...

Passaram duas horas, e sinto o vinho percorrer, suavemente, as minhas veias. Vejo pela sua face ruborizada, que sente o mesmo. Tenho presente algum espanto com a maneira tão leve como correu todo o jantar, e igualmente, com o facto de estar a durar tanto tempo.

- Ok, mas não me enganas… Diz lá… o que é que querias dizer com aquilo? – volto a perguntar, acendendo um cigarro.

- Aquilo o quê? – Acho que está a ser genuína, e realmente não se lembra.

- Quando disseste que tens de te adaptar… – ela faz um olhar de quem se tenta recordar, e vejo, subitamente, esse mesmo olhar, ganhar algum brilho. Um brilho diferente, que para surpresa minha, me assusta. A surpresa prende-se com o facto de não perceber por que me sentiria mal caso tivesse alguém na calha.

- Oh meu querido… – este “querido” faz-me sentir algum desejo – Estás a querer saber mais do que aquilo a que tens direito… – mas que merda é esta? Agora decidiu comportar-se como Godelieve? De onde vem este mistério todo? E porque é que me faz sentir assim? No momento em que a ouço dizer isso, apenas a quero levar para casa. Penso em Godelieve, e não sinto uma réstia que seja desse estúpido amor que por si sinto, desaparecer. Não, não estou a perder nada de lado nenhum, nem a transferir nada de lago algum… mas então porquê? Acho que, em parte, é porque sinto como incrível o facto, caso esteja a ter algo com alguém, como me ultrapassou tão rápido… mas quem sou eu? A minha opinião acerca de mim nem é assim tão intocável que me permita achar como… difícil de esquecer… Ou será?

- Mas… Estás com alguém?

- Estou… – responde, ao agitar a sua chávena ligeiramente – Estou contigo, a toma café, depois de ter jantado. – Ainda que deteste esta sua resposta, percebo que apenas vou fazer figura de palhaço se continuar a insistir.

- Pois… eu sei…

Pago a conta de ambos, e estamos fora do restaurante.

- E a tua amiga?... – pergunta, tentando fazer um tom de voz que sugere despreocupação. Ou melhor. Eu quero acreditar, pelas razões em que já pensei, e que me custam aceitar… que tenta fazer um tom despreocupado…

- Qual amiga? – respondo, perguntando. Não combinamos nada, mas caminhamos, lado a lado, ao longo da rua deserta.

- A tua amiga…

- Oh minha querida… estás a querer saber mais daquilo a que tens direito… – o que sinto transforma-se dum segundo para o outro. Num primeiro momento sinto-me triunfante, pela maneira como consegui, com as suas próprias palavras, entrar no seu jogo e sair a ganhar. Todavia, no instante seguinte, penso que a nossa situação é diferente, e se há alguém, entre nós os dois, que possa ter algum direito em saber alguma coisa sobre eventuais terceiros… é H. Porém, não faz caso, nem se sente ofendida, o que em si é mais uma maneira de reagir que lhe desconhecia.

Gosto.

2 comentários:

Hands of Time disse...

Uiii!Com que então agora tem medo que o tenha esquecido...? está com sentimentos contraditórios? lol tipico...

Anónimo disse...

E eu gosto desta nova H. E deste "buraco de fechadura" por onde se espreita, mas de onde só se vislumbra um pequeno bocado, podendo tanto mais existir para onde os olhos não conseguem ir!... :)

(e eu continuo sp a gostar da estória, sim?)

*