segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A Casa Número Treze

Deixo Y entregue aos seus pensamentos, e saio do restaurante, depois de pagar a conta. Está a chover, ajeito o chapéu, para me abrigar um pouco melhor. Apetece-me acender um cigarro mas sei que nestas condições seria em vão. A hora aproxima-se. Não faço a mínima ideia de onde nos vamos encontrar. Ou melhor, sei onde é, mas não conheço. Tampouco percebo o porquê. Quem sabe se sentiu desafiada com a minha nota e quis superar-me. Volto a entrar no restaurante. Dirijo-me ao balcão.

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- Por acaso não tens nenhum guarda-chuva que me possas emprestar? Amanhã trago. – o empregado olha para mim, mostrando-me, ainda que sem o querer, o quão surpreendido se sente com a pergunta. Não percebo o que tem de tão especial.

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- Hum, temos ali alguns que as pessoas esquecem… – e sai do bar, por uma porta que vai dar a um sítio qualquer – Pode ficar com este, não precisa de o devolver. – diz, estendendo-me um guarda chuva de castanho. O sítio onde nos vamos encontrar não é longe, creio chegar lá em 20 minutos. Posso ir de táxi, mas não só me apetece caminhar, mas também, e especialmente, não quero chegar mais cedo do que o combinado e ter de esperar, sentindo a ansiedade crescer. Canalizo a mesma em cada passo que dou. Chove muito, mas o Vento não se faz sentir, pelo que vejo as nuvens derramar suas gotas numa linha recta quase perfeita. Há poucos carros na rua, e os que vejo, deslizam suavemente, quase silenciosamente.

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Curva à esquerda, metros, curva à direita, metros, acredito ter chegado, meia hora depois. Pelo caminho, ecoam na rua os meus passos, entrando numa qualquer sonoridade com a chuva a cair no chão, sugerindo-me a banda sonora da minha própria VIDA.

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Vejo 3 armazéns abandonados e duas casas com o mesmo aspecto. Tiro o maço de tabaco e confirmo o número, que apontara no mesmo quando li a sua ardilosa mensagem. Número 13. Genial. Sorrio a imaginá-la a pregar o número na casa, apenas na tentativa de manter alguma coerência dentro de toda esta confusão. Apenas uma fantasia descabida, pois Godelieve não se daria a esse trabalho. Com ela, as coisas acontecem, simplesmente, pelo que tenho vindo a aprender.

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Estou à porta do número 13, bato uma vez três vezes. Não volto a confirmar o número, mas parte de mim quer fazê-lo, por não fazer a mínima ideia do que é aquela casa, de como a conseguiu, de como está por dentro. Sugere-me uma habitação abandonada e imunda. Ninguém abre, acendo um cigarro. “Ainda não chegou”, penso. A ansiedade momentos antes temida é agora sentida. Não tremo, mas sinto o meu peito queixar-se. Foco a minha atenção nessa parte do corpo, e tento sentir cada página da adrenalina que lentamente me corrói. Penso em sorte. Na sorte de a ter conhecido, e no que me mostrou de mim próprio, sem nada por isso o fazer. Penso em azar. No azar de… não sei. Penso se realmente virá. Sinto no meu pulso o ponteiro dos minutos avisar, a cada 60 segundos, que o tempo passa e continuo sem a ver.

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Estou de costas para a porta, olhando a desabitada rua, quando vejo uma luz reflectida numa possa de água a uns metros de mim. Dou uns passos em frente, volto-me, olho para cima e confirmo que a luz vem duma janela da casa número 13. Bato mais uma vez três vezes na porta, que permanece imóvel. Decido-me, e embato com toda a força conseguida na madeira podre, que cede, aparecendo diante de mim a entrada disponível, coroada por um ranger assustador. Vejo nada. Entro na casa, e vou sentindo um misto de medo com dúvida. As coisas que me faz sentir… Os meus passos reinam na casa, anunciando-se a cada segundo. Acendo o isqueiro e vejo, um pouco à frente, uma escadaria. Volto para trás, fecho a porta, e subo a escadaria. Vai chegando ao meu nariz um qualquer aroma, certamente proveniente dum pau de incenso. O medo vai desaparecendo, a dúvida batalha, e a expectativa ganha progressivamente lugar, passo após passo.

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Quando chego ao primeiro andar, vejo algo em completo desalinho com o que esperava ver dentro da casa número 13. Apenas os meus sentimentos mandam no olhar, suponho, porque o que vejo nada teria de especial para um qualquer observador. O quarto é velho, sujo, mas no meio do mesmo, como num universo paralelo de 3 por 3 metros, vejo um colchão, com lençóis e um edredão verde magistralmente arranjados, duas almofadas brancas. O mesmo colchão é protegido por velas, separadas a cada 10 centímetros. Reparo que a luz que vira projectada na rua não está já acesa, e tampouco sei onde se encontraria. Do outro lado do colchão, Godelieve, sentada numa cadeira de madeira. Ao seu lado, uma pequena mesa e outra cadeira. Na mesa vejo duas garrafas de champanhe, uma aberta, e uma taça. Tiro o chapéu, que atiro para um canto qualquer. Godelieve, sentada na sua cadeira, um pouco de lado, e com a perna cruzada, olha para mim, com um olhar felino e perturbador. Tem os lábios pintados de vermelho, o olhar elevado à provocação, como sempre, por uma simples linha preta, e o cabelo alinhado em suaves ondas, beijando seus ombros. Está apenas de roupa interior. Preta.

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Sinto o meu sangue viajar no meu corpo da maneira mais veloz e agitada possível. Sinto os pelos dos meus braços arrepiarem-se um pouco, e a garganta seca. Lanço-lhe um sorriso. A sua expressão permanece imutável. Assusta, hipnotiza. Contorno o colchão, e sento-me na cadeira, que me recebe sem soltar o mínimo rangido. Dou um gole do champanhe, e penso em tudo o que me rodeia. Incrível o cenário. E incrível como é incrível sendo tão simples. Uma cama, um aroma agradável, uma bebida e uma musa. Ela pousa sua taça na mesa, levanta-se, afasta a cadeira, contorna-me, passando mesmo à minha frente, até desaparecer do alcance da minha visão, para trás de mim. Sinto suas mãos frias nos meus ombros. Voam em direcção ao meu pescoço, e vão descendo, deixando atrás de si cada botão desapertado. Dou uma ajuda, e estou sem camisa.

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- Vamos continuar a nos encontrar assim? – pergunto, sentido os seus lábios percorrer o meu pescoço, que se arrepia ligeiramente… Giro um pouco a cabeça, e meus lábios, ciumentos, agarram os seus. Morde suavemente o meu lábio superior, sua língua lambe a minha. Levanto-me, ela caminha na minha direcção, e estamos frente a frente. Os seus olhos estão uns centímetros abaixo dos meus. Levanta-os, e vejo uma espécie de infinito, e algo que me faz esquecer tudo o que já alguma vez na VIDA tive, e que me faz querer trocar tudo o que possa vir a ter por mais um momento consigo. Pensamento romântico e estúpido, mas que não me abandona, por mais que (não) tente. A minha mão direita passeia nos contornos da sua anca. Beijamos devagar, quase em câmara lenta. Não sei porque o faz, mas eu faço-o para conseguir sentir ao máximo cada movimento da sua língua, para sentir, e não esquecer. Larga os meus lábios.

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- Eu não tenho nada contra… – responde, abraçando-me e desta feita sendo ela puxando-me para si, como se nenhum pedaço da nossa pele se pudesse dar ao luxo de não sentir o outro. Encosta a face no meu peito, e sinto a sua respiração quente. – Desde que nos continuemos a encontrar, pode ser da maneira que tu quiseres…

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Largamo-nos por uns segundos, enquanto volto a encher as taças de champanhe. Sinto nas mãos o frio das taças, e a necessidade de a ter, como se não lhe tocar fosse o mesmo que não respirar. Volto-me e encaro-a. O seu cabelo está molhado, e sinto algumas gotas deslizarem e juntarem-se à humidade das nossas bocas. As minhas mãos abraçam a sua cinta, puxo-a para mim.

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Elevo a taça, que se aproxima da minha boca. Ela toca no vidro do copo.

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- Não brindamos? – pergunta, com uma expressão sedutoramente infantil.

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- Brindamos. A… surpresas.

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- A surpresas... – não tocamos os copos, mas nossos olhares apontam um para o outro. Deitamo-nos no colchão. Não obedecemos à ordem das almofadas, deitando-nos da primeira maneira possível. Estamos nus. As línguas agora dançam agressivamente, ouço-a gemer um pouco. Numa vontade de acentuar esse gemido, a minhas mãos sobem suas pernas, e viajam suavemente ao redor de tudo o que deixa Godelieve num nível diferente. Esta entrega-se, afasta a sua boca da minha e sua cabeça pousa gentilmente no colchão. Não vejo o seu olhar, separado de mim pela sua pele, mas sinto-o perfurar-me. Deixo os meus lábios, a minha boca, tomarem o lugar dos meus próprios dedos, e entrego a Godelieve todo o prazer que lhe quero dar. Sinto as suas pernas tremer um pouco, como gesto reflexo de cada movimento meu. Passado uns minutos roda vagarosamente, arrastando-se ao longo do colchão, e está em mim da mesma forma que estou em si. Não há música no ar, a única coisa que ouço é a sua respiração acelerada. Afastamo-nos uns segundos, pegando cada um na sua taça, que esvaziamos num segundo. Comunicamos perfeitamente sem soltar uma única palavra. Godelieve deita-se. As suas pernas estão ligeiramente abertas, num convite que não posso, nem quero rejeitar.

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Muito dificilmente saberei o tempo que estivemos deitados naquele colchão. Tudo o que foi feito, foi feito com calma. Perdíamo-nos em beijos desesperados por longos minutos, sentia-mos as linhas do corpo de cada um, de tal forma que quase imagino cada detalhe do seu magnífico corpo, sem abrir os olhos. Os meus olhos querem ceder. Os seus já cederam, e vejo-o a escassos centímetros de mim, mas quem sabe longe na sua condição. Mas… não me parece que sonhe. Está demasiado calma, demasiado descansada. Demasiado perfeita, seja a fazer o que for…

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[salto no tempo – terceiro capítulo]

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