segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Westland Story Eighteen

Não esperava outra coisa de Godelieve. O que, no fundo, é estranho. Conheço-a bastante mal, mas algo nela me sugeriu inteligência. O seu olhar sempre foi carregado de duplos ou triplos significados, e, talvez por isto, a considere alguém inteligente e perspicaz. Estava sentado no café, era hora de almoço. Não fora aí procurando uma nota sua, mas simplesmente para almoçar. Tinha acabado de o fazer, e bebia um Porto no final, encostado ao balcão, pronto para sair.

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A minha vista, sem vontade, acaba por vislumbrar o aviso vermelho. Nasce, com cuidado, um sorriso nos meus lábios, e levanto-me. Caminho, em direcção ao quadro, e vejo que percebeu o que queria dizer. Penso se terá demorado todo este tempo a fazê-lo, ou se terá sido numa de me torturar um pouco. Na verdade, apesar de pensar nela todos os dias, e apesar de não fazer por controlar a minha ansiedade, não me sentia mal. Queria estar com ela, queria que me deixasse um qualquer bilhete, mas sabia que já tinha feito a minha parte, e que de nada adiantaria desesperar.

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Na sua mensagem residia o nosso próximo destino. Agradava-me o local. A hora e o dia eram indiferentes. Desde que fosse cedo. Agora que já sabia que a ia encontrar, e quando, queria ver o dia chegar. A calma dos dias passados era substituída por uma ânsia contente e quem sabe controlada. Nesse dia cheguei a casa a assobiar, com um sorriso que por vezes dificultava o som.

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- Porque é que estás tão contente? – pergunta-me. Sinto-me um pouco mal neste momento. Talvez os resquícios de consciência que ainda ia tendo, de vez em quando faziam-se sentir. Senti-me mal pois a razão de me sentir particularmente contente faria quem perguntava particularmente triste. Ia pensando em contar a verdade, mas afastava o pensamento sem pensar duas vezes. “Serei um cobarde?” – pensava, algumas vezes. Questionava-me se estaria a trais os princípios recentemente por mim adquiridos, pois era a favor da honestidade connosco próprios, mas parecia estar a negligenciar a honestidade para com os outros… convencia-me que o fazia para a proteger, e conseguia, efectivamente, convencer-me. Pensava se teria algum futuro com Godelieve. Sabia que certamente o meu futuro com ela não seria nenhum. A ser, quem sabe daria o salto para essa tal honestidade para com os outros, e poria as cartas na mesa. Mas desagradava-me pensar nisso, pois o que mais amava em Godelieve era a constante sensação de não saber o que tinha, a não ser peças soltas dum passado, e elementos sempre fixos, em mim, dum eventual presente. Não tinha obrigações para com ela senão ser eu, completamente, tentando aproximar-me o máximo da minha essência, sabendo que ela faria o mesmo.

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- Hum, por nada de especial… – respondo. Ela ia, lentamente, baixando a raiva que já me fizera sentir, e de vez em quando atrevia-se a ser carinhosa. Eu não conseguia responder tão sincera e genuinamente, e não sabia se era uma questão de orgulho (?), se eram os resquícios de consciência a fazer das suas… ou, em última análise… por um lado fazia-me sentir numa posição confortável… vê-la mudar a sua atitude, independentemente de eu mudar a minha, devo confessar, fazia-me sentir um pouco poderoso, num pedestal, e isso agradava-me. Como se de um puto reguila que nunca é apanhado se tratasse. Ela senta-se no meu colo.

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- Já falaste com o Arjan hoje? – pergunta, baixinho. Lembro-me da pessoa com quem mais me preocupava no meio de toda esta comoção, e do quanto o tenho vindo a negligenciar. Sinto, aí com toda a certeza, um outro domínio de consciência, essa sim permanente, e faz-me sentir, ao de leve, uma sensação de desconforto no peito. Penso, injustamente, no desnível sucessivo que a minha alegria sofreu desde que dei o primeiro passo para entrar em casa. Desta feita não tinha sido uma esposa a gritar, não tinha sido nada de que me pudesse queixar, a não ser de mim próprio. E isto, sabia-o, era das coisas que me fazia tanto querer não estar em casa. Ambas as situações que viviam eram inconciliáveis, mas apenas quando numa, que não a actual, conseguia esquecer a outra…

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- Hum, não… mas ele deve estar a dormir, não deve?

- Sim, já foi dormir. – diz-me, com uma entoação que não sei se me agrada, ou desagrada. Agrada, pois antecipo o que quer dizer, desagrada, pois antecipo o que quer dizer.

2 comentários:

Sin disse...

Ler-te é sempre um gosto. Beijinhos

Catarina M disse...

"este tempo a o fazer,"soou-me mal... Posso estar errada, o que, na tua boca e cabeça, arranjarás com certeza forma de eu estar (estou a brincar!). Gostei, mais um vez.
Beijinho