terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Olívia

- Olívia, porque foi sempre tão extravagante ao longo da sua VIDA? – pergunta-me ele. Está sentado na sua cadeira, deslocada da secretária. Eu fumo um cigarro, com a minha longa boquilha. Estou de óculos de sol, deitada no seu divã.

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- Sabe, Dr., eu acho que posso não ter sido… – faço uma pausa, para que me pergunte o que quero dizer. Não pergunta nada. Dou uma passa no meu cigarro e olho ao redor. O consultório tem como paredes umas centenas de livros. A carpete é vermelha, parece ter dois ou três séculos, mas dá um ambiente acolhedor. Ele é velho. Uma das minhas companhias há mais de vinte anos. – Não me pergunta o que quero dizer com isto?

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- Sim, claro Olívia. Pensei que fosse continuar.

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- E ia, mas estava à espera da sua pergunta.

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- Olívia, não entre em jogos outra vez.

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- Sim, sim, o evitamento, já me lembro. Ok. Acho que posso não ter sido eu a extravagante. Sabe, um dia destes estava a pensar, a escrever as minhas notinhas, e cheguei à conclusão que todo o mundo é que é extravagante. Isto é, não tem de ser, mas é um conceito tão estranho… não acha?

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- A grande maioria dos conceitos são relativos, é verdade. Mas também é verdade que trazem consigo geralmente um significado aceite por toda a comunidade…

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- Sim, tudo bem. Mas o que eu quero dizer, é que olho para as pessoas, e vejo… A maioria dá-se ao luxo de não ser feliz. E eu arrisco sê-lo. Por isso é que as acho extravagantes, porque abdicam da única coisa que vale a pena ter. – não sei se ele percebe o que quero dizer.

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- Mas porque acha que as outras pessoas não são felizes?

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- Bem, não digo que seja toda a gente… Mas por favor, está nítido, basta abrir um bocadinho os olhinhos, e ver o olhar das pessoas na rua. E eu, claro, estou sozinha, e às vezes custa, mas na maior parte das vezes sinto-me feliz, porque sei que estou sozinha, mas estou bem, feliz. Além do mais, vivi uma VIDA preenchida, sei que está prestes a acabar, e não me arrependo de nada que tenha feito.

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- Está prestes a acabar?

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- Sim, o meu autor matou-me no próximo capítulo.

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- Continua com a ideia que a sua VIDA é um romance, Olívia?

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- Sabe, não é bem um romance, acho eu. Romances, tive muitos. Mas não sei se ele já os escreveu. Acho que para já o meu autor só escreveu o episódio em que morro, e agora este.

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- Então o que está a dizer é que o mundo, tal como o conhecemos, não existe?

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- Talvez não. Existe o mundo que ele criou… espere… sim, o nosso mundo existe, mas foi criado por ele. Repare, agora você tem uma flor no seu casaco, antes não tinha.

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- Como?

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- Foi ele que a pôs aí, agora mesmo, para me dar razão.

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- Mas Olívia, eu trouxe isto de casa.

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- Você pensa que trouxe. Mas adiante… o que digo é que o nosso mundo existe, mas vai sendo criado por ele. E talvez o mundo dele esteja a ser criado por outros escritor, numa senda interminável, e talvez o derradeiro escritor, criador, seja aquele a quem toda a gente chama de Deus… Não é giro?

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- É curiosa a sua teoria. Já a partilhou com alguém?

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- Hum… Acho que não o posso fazer. Acho que só consigo é que posso ser realmente quem sou, e dizer o que realmente penso, pois gosto da sua atitude. Claro que eu vejo no seu olhar uma expressão de profunda incompreensão, mas adopta uma postura neutra, e gosto disso.

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- É o meu papel aqui, e você sabe disso, claro.

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- O seu papel, sim, bem dito. Está a ver como está a começar a perceber o que quero dizer? O seu papel é esta VIDA que tem, criada por ele, através de mim.

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- Acha então ser a personagem principal? O resto do mundo vive através de si?

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- Estou a ver onde quer chegar. Não, não tem nada que ver com um egocentrismo desmesurado. É apenas a minha maneira de ver, e posso pensar assim, como eu quiser. No meu dia-a-dia não me acho superior, ou melhor que ninguém, e acho que, como não transformo em acções estes meus pensamentos, tenho o direito de ser assim, como você quer dizer mas não diz, egocentrista. Agora vamos acabar este capítulo, que o meu autor tem de fazer qualquer coisa.

2 comentários:

Sei que existes disse...

Interessante.
Beijocas grandes

pedro disse...

gostei da parte em que o autor a mata no proximo capítulo...a "estória" é um conceito interessante que introduziste para definir o destino! :)