domingo, 10 de fevereiro de 2008

Gone

XY

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Estou cansado. Doem-me os olhos, doem-me os músculos. Curioso, já que quase não faço outra coisa a não ser dormir. É o mais próximo que posso estar de ti, hoje em dia, ao dormir. Levanto-me, ligo a aparelhagem, Lullaby, dos The Cure. Deixo no repeat, e vou à janela.

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Imagino com quem estejas agora. O meu pensamento saltita entre o imaginário e as recordações. Num momento estás aqui, deitada na cama comigo a chamar-te dorminhoca, no outro momento, quando arrisco o imaginário, estás na cama de alguém que não eu, estás sozinha, estás em todo lado, menos comigo. Estás de todas as maneiras, menos… à minha maneira.

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Um certo masoquismo infiltrou-se em mim desde que te deixei fugir, e materializa-se em momentos como este, em que deixo a nossa música a tocar vezes sem conta, obrigando-me a recordar tudo, obrigando-me a não fazer nada além disso mesmo… recordar. O ritmo massacra-me, e a cada nota, tenho de esfregar os olhos… um homem não chora, dizem…

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Sem tomar banho, e tendo vestido qualquer coisa que aparece, saio à rua. Sim, levo a música a gelar-me os ouvidos. Caminho em direcção a algum lado, e acabo invariavelmente… no nosso banco, na nossa pastelaria, acabo invariavelmente em algo que já foi nosso, e agora é só meu. Não quero lembrar, a lembrança mata-me. Mas lembro-me. Incrível como a única coisa que me mantém vivo é algo que me mata de cada vez que a invoco. Estarei vivo ainda?

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XX

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Como sofro meu amor. O facto de saber o quanto sofres consome-me, ainda que pouco ou nada haja já por consumir. Vejo-te todos os dias, estou contigo todos os dias. Sou tu, todos os dias. Deito-me contigo, levanto-me contigo. Sei o que pensas, e vejo-o na tua expressão, quando olhas para o nada. Parti, sim parti, abandonei-te, é verdade. Mas queria voltar, amor. Parti porque tinha de o fazer, parti porque tinha de ir em busca de mim própria, desse por onde desse, daí que tenha partido, deixando-te apenas com um bilhete. Agora penso no quão estúpida fui, na maneira como não soube conciliar o nosso amor e a minha necessidade de descoberta. Pensei que não fosses compreender, talvez apenas pelo medo que eu tinha de o explicar. Muito provavelmente com medo de que me chamasses à razão, me fizesses ver que não fazia tanto sentido assim. Por isso mesmo parti.

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Como recordo aquele fatídico dia. Aconteceu tudo num instante. Num momento sinto, no outro não sinto, e vejo o meu próprio corpo no chão, num país distante, sem ninguém que me pudesse ajudar, identificar, sem nada… sem ninguém.

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Não acredito em deus, e por isso mesmo não percebo este limbo em que estou, e o massacre que é ver-te todos os dias, ver-te sofrer todos os dias, e não te poder tocar. Estarei a ser castigada pelas decisões que fiz? Como quero acreditar que não, e como temo que sim…

1 comentário:

Catarina M disse...

Preciso dizer-te que é bonita, que está muito bem escrita e que tem um fim que não esperava...
Mas preciso também pedir-te: escreve sobre um desgosto de amor que não termine assim... um desgosto de amor comum, onde ambos deixam a relação, mas não vida... Estou curiosa por um desses!