domingo, 17 de fevereiro de 2008

Godelieve 20 e Seis

- Por favor, não desapareças na manhã… – peço-lhe. Não me ouve, entregara-se ao sono. Não sei porque não lhe pedi isto enquanto me podia ouvir. Será que quero que desapareça mais uma vez, para me poder sentir miserável mais uns quantos dias? Será que retiro algum tipo de prazer, num nível mais inconsciente, desta sua constante ausência? Nenhum. Seria estúpido afirmar ter a certeza que nem num nível inconsciente retiro prazer, pois o inconsciente é o que é, mas não me importo, e afirmo-o, de mim para mim. O sofrimento que sinto quando separado, especialmente nestes últimos tempos, em que não tenho ninguém, vem apenas da sua ausência. O que sinto agora está a planetas de distância. O… Theodoor de agora sente-se uma nova pessoa em relação à personalidade que já o habitou, e quando com a sua Godelieve, cujo nome de nascença não sei nem quero saber, sente-se como a pessoa mais poderosa do mundo. “Não desejes nada, e assim terás tudo o que precisas para ser feliz” – dizem os budistas… Eu desejo tudo. Apenas desejo Godelieve, e isso, para mim, é, ou tem vindo a ser… tudo. E ainda assim, apesar de ir contra esses ensinamentos supostamente sábios, sei que neste momento, apesar de tudo desejar, tenho, realmente, tudo…

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Preparei um Martini, que tirei do armário de madeira castanha escura, e bebo, à janela. Godelieve dorme, nua, no tapete diante da lareira. É como se quisesse fazer da minha VIDA uma estória inventada, preparando-me os cenários inventados em que tantas vezes sonhamos estar. Não quero dormir. Olho ao redor e não vejo nenhuma televisão. Não a ligaria tampouco… A aparelhagem encontra-se a descansar das horas de música que nos proporcionou, mas peço-lhe um pouco mais. Dou uma olhada pelos cd’s, e todos me parecem ter a cara de Godelieve. Deixo a tocar Miles Davis. Acho que a razão de não querer dormir se prende com o medo de acordar sozinho.

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Tenho de o fazer.

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- Godelieve… – não executa nenhum dos típicos trejeitos de quem é acordada sem estar à espera. Limita-se a abrir os olhos, que pisca um par de vezes.

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- Que foi? – a sua voz, por outro lado, apresenta aquela típica rouquidão de quem passa dum mundo para o outro num abrir de olhos.

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- Preciso de te pedir uma coisa.

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- Que foi, querido, está tudo bem? – a maneira como me chama “querido”, não só desta vez mas de todas as vezes em que o faz, faz-me querer abraçá-la violentamente.

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- Promete-me que vais estar aqui quando eu acordar… - ela fixa-me por uns segundos. O seu olhar permanece inalterado. Conspira com seus lábios, que se abrem, quem sabe num sorriso misturada com uma frase…

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- Sim, querido, vou estar aqui contigo. Não te preocupes. – acredito plenamente no que me diz, e sinto a paz entrar no meu corpo. Deito-me ao seu lado, esqueço a dureza do chão, e adormeço, pela primeira vez em paz desde os últimos dias…

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Acordo. Abro os olhos e procuro-a com o olhar. O meu coração não quer fazer o esforço, mas sinto-o aumentar um pouco o seu ritmo ao escutar o meu olhar dizer que não a encontra. “Não é possível…”, penso. Questiono a sua promessa, e convenço-me que concerteza estará por aqui. Estranhamente, quando varro a casa com o olhar pela segunda vez, vejo-a, em frente à janela, de costas para mim, onde a encontrei na noite anterior. Veste um robe verde escuro, de seda, e bebe algo que me parece um sumo de laranja. Sinto-me repentinamente descansado, e volto a deitar-me, com os olhos abertos fixando o tecto. Penso no que pensei na noite anterior. Olhei à volta e não a vi. Terá sido o desespero, convencido de que o pior teria acontecido?... Ou aquela… eventual necessidade de não a ver, para que assim me pudesse sentir um traste?... Ridículo o pensamento. Estupidez a minha de questionar algo tão simples como o simples medo de não a ter… que me leva a prepara-me para o pior…

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