quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Westland Story Twenty-Three

Não demorou muito a sair de casa. Disse-lhe que eu sairia. Não aceitou. O pequeno não percebia o porquê de tudo o que se passava. Dizia-lhe que ia correr tudo bem. Mas não ia, sabia-o bem. Ela não me colocou quaisquer restrições em relação a vê-lo. Mas não conseguia ainda entrar em sua casa e enfrentá-la. Enfrentá-la seria o mesmo que enfrentar o meu passado… e o passado, já não existe.

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Eu reparava que as pessoas reparavam no traste em que andava. Tentava convencer-me de que tudo correria bem, mas a cada segundo que passava queria estar com Godelieve. Massacrava-me a ideia de poder estar com ela tão facilmente, mas de tudo o que isso podia implicar. Não percebia como me agarrava tão incondicionalmente a estes trunfos estúpidos e sem qualquer sentido. Mas acho que a verdade é que, se dantes não queria parecer desesperado, ainda que apenas estivesse ansioso, desta feita não queria parecer desesperado, pois o desespero era tudo o que eu era nestes dias.

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Bebia todos os dias, respirava nos intervalos dos cigarros. Pensava, planeava cada segundo da próxima vez que me encontrasse com ela. Não deixaria mais no seu campo a decisão de quando nos encontraríamos. Queria pedir-lhe para deixar o seu marido, esquecendo o que isso poderia implicar para ambos… queria tê-la todos os dias. Por sentir uma panóplia inexplicável de sentimentos pela sua presença, e, talvez, para saber que tudo o que tinha perdido não tinha sido em vão…

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Sabia que, uma vez com ela, tudo voltaria ao caminho certo. A confusão que sentia dentro de mim dissipar-se-ia, e viria com os seus beijos a clareza de espírito que tantas vezes me habitava desde que a conheci, e até ver a minha VIDA mudar…

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Voltar para casa e não ter ninguém à espera, ainda que tantas vezes chateada, revelava-se mais difícil do que alguma vez imaginara. A solidão ecoava nas paredes e entrava dentro de mim como um relâmpago imperfeito… sem luz, apenas o trovão. Passava as noites nos bares, numa demanda de ver quem queria ver, mas vendo apenas fumo, dentro e fora de mim. Via os dias passarem lentamente, mas a anunciarem-me frequentemente do que viria no dia 21. Fazia, dentro de mim, uma contagem decrescente, esquecendo o pânico de não saber ao certo onde nos encontraríamos.

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A minha única solução era ir ao café, e esperar vê-la.

O dia chegara, e o dia seguinte avisava-me que não trabalharia. Queria olhar para Godelieve apenas uns segundos antes de a agarrar e trazer para minha casa. Queria olhar para Godelieve e perder-me outra vez dentro de si. Queria olhar para Godelieve.

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Não fiz a barba, estava com o tamanho ideal, e que Godelieve já me confessara gostar. Vesti-me da melhor maneira possível, coisa que não fazia, fazia muito tempo. Não sabia a que horas nos encontraríamos, e por isso fiz por estar no café às 19h. Café atrás de café, brandy atrás de brandy. A espera, que sempre esperara evitar, revelava-se pesada e difícil. Nos encontros anteriores, sempre encontrara a solução de chegar na hora exacta, para diminuir esse período, que tantas vezes é agradável, quando acompanhado da expectativa, mas que com Godelieve, fruto da incerteza que me oferecia constantemente, se transformava em ânsia e dúvida. O brandy adormecia alguns sentimentos, mas fazia outros despertar violentamente. Fazia por beber cada copo lentamente, queria estar bem quando chegasse. Mas não chegava. 21h30. O esforço de manter a coerência e a sobriedade revelava-se inglório. Ouço a porta, pela milésima vez, ranger, e levanto o olhar, já sem esperança. Errado, de novo, vejo um jovem mal vestido entrar. Volto a baixar a vista, que é presenteada por uma imagem diante de si. Percorro a figura que vejo diante de mim, e descubro ser o mesmo maltrapilho que entrara segundos antes.

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- Que é que queres? – pergunto, mal humorado. Ele nada diz. A sua mão entra no seu bolso, e volta a sair, acompanhada dum papel amarelo. Dou um longo suspiro, sinto-me mais um pouco derrotado. “Não quero mais jogos… não agora”. O rapaz nada diz. Pego no papel, desdobro-o, e vejo apenas uma instrução. “Vai com ele.” Quero que seja tão simples como parece, e que não tenha mais nada, seguidamente, a não ser ela própria. Pago, e saio com ele. O carro é preto e, para surpresa minha, está impecavelmente limpo, e é o último modelo da Mercedes. Abre-me a porta de trás, entro e ouço Nina Simone. Acendo um cigarro, abro o vidro, e deixo-me guiar, sentindo, mais uma vez, o Vento passar por mim e dizendo-me que em segundos estaremos juntos.

1 comentário:

Sei que existes disse...

De onde te vem toda esta imaginação?
Beijo grande