domingo, 17 de fevereiro de 2008

No Fairy-Tale

Sugeri-lhe um café. Apesar de não ter vindo a ser frequente estar com ele, sentia-o completamente deprimido. Cada vez que o via, via-o com menos luz. Cada vez que o via, em mais partes o via, fragmentado. Estou no Tropical, dou um gole da minha mini, entretenho-me com a música que toca, enquanto o espero. Ele aparece passados quinze minutos. O seu sorriso nota-se esforçado.

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- Então rapaz, tudo bem? – pergunto.

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- Sim, sim, tudo bem, e contigo?

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- Comigo está tudo bem. Mas gostava de avançar logo esta parte do “tudo bem contigo” e ir logo directo ao que realmente quero saber, ok? – a sua cara é de surpresa.

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- Sim?...

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- Que se passa contigo?

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- Pá… acho que o que se passa comigo ninguém vai conseguir perceber… nem mesmo tu…

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- Tenta! - Ele faz uma pausa. Passa o Sr. Madeira e pede um café. Olha ao redor e espera um pouco, talvez numa tentativa que me esqueça da minha questão.

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- Sabes, acho que estou apaixonado… – Fico surpreso. Nunca pensei que fosse isso. A surpresa dá lugar à alegria, ainda que a incompreensão tenha permanecido. Pois se está apaixonado, porque anda tão abatido?

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- Mas isso é óptimo, pá! Mas está a andar para a frente? Quem é? Ela também gosta de ti?

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- Digamos que ela me deve a VIDA… - diz, em tom baixo, enquanto brinca com a colher do café, fazendo-a rodar vezes sem conta na chávena. Vejo-o misterioso, e não faço ideia do que vai dizer de seguida. – Sabes… depois do que a Andreia me fez, achei que nunca mais me apaixonaria por ninguém. Tínhamos tudo, estávamos prontos para casar, como tu sabes, e dizer-me, um mês antes do casamento… que havia muito que não tinha feito e queria fazer… tu sabes, pá… destruiu-me. – sim, eu sabia, na verdade. Já tinha passado mais de um ano, e o Paulo que eu conhecera morrera em muitos aspectos. O Paulo vivaz, confiante, deu lugar a uma sombra do homem que conhecera. E o que mais me preocupava era ter passado tanto tempo e ele nunca se ter recomposto… – Voltei-me mais para a escrita, e o mais estúpido, é que comecei a escrever como nunca o tinha feito antes. Digo-te, Filipe, eu estou a escrever muito bem, bem demais, sabes?...

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- Desculpa Paulo, mas estás apaixonado, estás a escrever muito bem, que é o que mais gostas de fazer… Então…

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- Eu estou apaixonado, só penso nela, só quero estar com ela, só a quero ver, e o pior… só a quero escrever… – acho que percebo.

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- Só queres escrever sobre ela?

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- Não, só a quero escrever a ela… ela é a personagem principal do meu romance!

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- Deixa-te de merdas! – digo, com um sorriso. Todavia, ele levanta a cabeça, olha-me bem fundo nos olhos e afirma, com uma convicção inabalável!

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- Filipe, eu estou a falar a sério! Eu estou a falar a sério. Isto é ridículo, eu sei, como o sei, pá! Mas é verdade.

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X

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Tenho pena do Filipe, naquele momento. Vejo a incompreensão inundar a sua expressão. Quantas vezes eu próprio já me massacrei, dando voltas e voltas à cabeça, sabendo não fazer sentido esta obsessão, até que me entreguei completamente. Só quero estar no computador, a escrever. Existo nesse romance, já a amei várias vezes, e por outras tantas ela já amou outro alguém. Acho que faço isso para me castigar a mim próprio pelos meus estúpidos sentimentos. Faço-a envolver-se com outras pessoas, sofro, e mais tarde faço com que tenham mortes horríveis e sofredoras, às mãos do meu personagem. Trago-a comigo sempre na mente, quando conheço alguém falo dela como se realmente existisse, apresento-a como minha namorada, dou as suas reais descrições e aí, nesses momentos em que consigo cativar a atenção de várias pessoas, fruto das minha boas descrições, aí sinto-me bem, sinto-me feliz, sinto que não estou só. Vou para casa com um sorriso nos lábios, enceno algumas conversas ao telefonem chego a casa e vou directamente ter com ela. Prolongo o livro, não quero que acabe, invento estórias paralelas, dou-lhe VIDA, dou-lhe mais VIDA, e sinto então, e apenas então, um pouco mais VIDA dentro de mim próprio.

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O Filipe olha para mim. Quer compreender, quer aconselhar, mas tem dificuldade.

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- Não sei o que hei-de fazer!... – digo, em desespero.

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- Paulo… eu acho que sei o que podes fazer. – o som tom é vincado. Parece realmente saber o que posso e devo fazer – E tu, se pensares, sabes que é o mais indicado. – dá uma pausa – Ouve, eu percebo a depressão em que entraste desde que a Andreia te deixou. Não te vou mentir, o que agora me contas é-me estranho, claro que sim, mas tu és meu amigo e eu estou ao teu lado seja como for. Eu acho que, no teu livro, a deves matar! E acho que até podia ser a tua própria personagem! - a surpresa toma conta de mim. Para quem estivesse a olhar de fora, sentiria como estranho o facto de, no início, eu falar com a certeza que falava e ele estar com uma cara de incompreensão, e agora ser exactamente o oposto. Não consigo descrever o ódio visceral que, naquele momento, tomou conta de mim.

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- Tu estás-te a passar? Não ouviste nada do que te disse? – atiro, arrogantemente.

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- Paulo, tem calma, eu só estou a dizer o que acho que seja melhor para ti! – está assustado.

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X

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Mais surpresa do que a que senti quando me disse estar apaixonado por uma personagem, foi a que senti ao ver o seu ódio quando lhe disse que deveria matar o seu personagem. Não quero pensar que está louco, é meu amigo, mas sei perfeitamente que não está bem, nada bem. Assusta-me o seu olhar. Falo um pouco com ele, tento tranquilizá-lo. Ele pede uma cerveja, levanta novamente a cabeça, e volta, parece-me, a incorporar o seu personagem, do seu próprio livro.

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- Ouve bem, Filipe… tu sabes que desde que a Andreia se pôs no caralho, os meus amigos, fruto de eu nunca aparecer em lado nenhum, foram desaparecendo. Gajas, não fodo nenhuma há mais de um ano. Não consigo abordar ninguém. As únicas vezes que consigo é quando sei que ninguém me conhece, e posso ser o outro eu, e falar à vontade da outra ela. Porque, verdade seja dita, as únicas pessoas que tenho neste momento… uma é ela, a outra está aqui, diante de mim, a dizer-me para a matar. Desculpa, mas não posso aceitar isso… – e dito isto, levanta-se. Fico a vê-lo sair do café, a minha preocupação é imensa, e fico com um medo enorme de estar a perder um amigo, e mais que isso, ver um amigo perder-se a si próprio.

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XXX

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Filipe, neste momento, está pleno de arrependimento. Um sentimento de culpa enorme assola-lhe o coração. Está sentado no seu sofá beije, o telefone no colo, a boca ligeiramente aberta e os olhos pregados no infinito. Quem lhe acabara de ligar foi a mãe de Paulo, passados 3 dias de ter estado com o amigo. Conta-lhe que encontraram o corpo do amigo, inanimado, no seu próprio apartamento. Estava deitado no sofá, com o seu livro imprimido descansando no seu peito, e um copo de uma substância ainda não analisada ao lado.

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Mais tarde, Filipe viria a saber que Paulo acabara o seu livro.

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“- Acho que o nosso destino pode ser apenas um – diz Pedro. - Quem sabe morrendo nos encontraremos em definitivo, e possamos estar um para o outro, um com o outro, para sempre.

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- Como assim meu amor? – pergunta a bela Andresa, deitada, descansando, depois de terem feito amor. Pedro levanta-se, serve dois copos de champanhe, uma para cada, e calmamente anuncia à sua amada:

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- O mundo é muito mais complicado do que tu possas pensar, minha querida. Se te dissesse a verdade, ririas de mim, e sairias porta fora. – Aproxima-se de Andresa, estende-lhe o copo – Apenas te posso pedir que confies em mim, e que bebas comigo.”

1 comentário:

pedro disse...

viver na fantasia nunca deu grande resultado, já por ela a realidade nao é fácil, agora se a descartamos ainda se torna mais difícil...