quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Westland Story XXII

Vejo a confiança com que me falava desvanecer lentamente. Vejo que batalha para se mostrar forte, mas os seus olhos, subitamente molhados, dizem o contrário. Acho que, no fundo, e apesar de ter a certeza do que se estava a passar, ela queria que fosse mentira. E eu? Quereria eu que fosse mentira? Vejo o meu futuro diante de mim, a inevitabilidade de ver o meu filho tirado de mim. Quereria que fosse mentira? Sabia que podia tentar, e provavelmente conseguir, fazer as coisas de maneira a ficar com ele. O sistema é tão mais falível a nosso favor quanto mais alto nos encontramos na hierarquia… pelo menos em Hetwestenland… Mas fá-lo-ia? Não podia fazer. Tinha acabado de admitir a verdade que tantas vezes já me tinha pedido para existir. Tendo dado esse passo em direcção à honestidade connosco próprios que ultimamente tanto apregoava, odiar-me-ia muito mais se voltasse atrás neste momento. Quereria eu que tudo fosse mentira, que nada se tivesse passado. Sim, queria.

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Ela senta-se.

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- Ouve… - já não disfarça – Não sei porque andas a fazer isso… não sei que problemas no nosso casamento te levaram a isso. Mas eu não quero ir embora, sabe-lo bem… - desliza no sofá e apoia uma mão na minha perna. O meu olhar permanece colado à parede. Não a consigo encarar – Eu não quero ir embora… por mim, pelo nosso filho, e por ti, porque – a voz fraqueja – porque ainda te amo… e só quero que me ames de volta, e que voltemos a ser o casal feliz que sempre fomos… – doem-me aquelas palavras. Não sei qual a mentira maior… a minha mentira dos últimos tempos, ou a sua de sempre. Contudo, sei que não devo, não posso nem consigo encetar agora uma conversa acerca da irrealidade que era a nossa felicidade – Não dizes nada? – permaneço calado. Sinto raiva. Não percebo exactamente do quê, ou de quem – Acho que podemos conseguir ultrapassar isto… se me prometeres que acabas tudo, eu posso ficar, e podemos dar a volta por cima disto… - diz-me, baixinho e imagino, sensatamente. A sugestão de que tinha tanto medo aparece nos seus lábios nesta frase… Era-me difícil pensar que preferia que nada tivesse acontecido… mas não se compara a dificuldade de realmente me ouvir a mim próprio admiti-lo.

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- Não consigo… desculpa… – os meus pensamentos são apanhados de surpresa com o que sai da minha boca. A minha expressão permanece impassível, mas vive dentro de mim uma surpresa e uma dúvida que não tinha conhecido nunca. Senti-a tudo aquilo, tudo o que tinha com Godelieve como um vício, um vício terrível que não conseguia, e nem queria largar. O pior de tudo, e o que me deixava com uma dor num qualquer sítio desconhecido do meu corpo era o facto de não saber se valia a pena. Estava a arriscar, a deitar a perder tudo o que pensava ter, a troco de uma incógnita constante.

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Ela levanta-se. Dá meia volta, uns passos, e entra no quarto. Volta passado uns segundos com um cobertor e uma almofada, que deixa no sofá. Mexo o olhar, pela primeira vez em largos minutos, e vejo-a desaparecer, fechando a porta atrás de si. Sentia-me sozinho na cidade inteira. Imaginava Godelieve por aí, com outro homem, com o seu marido, na cama, a ver televisão, a fazer fosse o que fosse… imaginava-a com outro alguém, via-me ali, completamente sozinho de tudo e de todos, e nascia um mim uma raiva que, imaginava, me poria a pontos de matar a pessoa com quem estivesse em vez de mim.

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A garrafa de whiskey dizia-me que sim à distância de um braço. Não ligo a aparelhagem, não quero ouvir nada a não ser o Vento soprar entre os prédios de New Eagles e os carros ao fundo. Estou no parapeito do meu terraço. Vejo a cidade adormecer lentamente. A visão vai ficando turva, o pensamento muito mais. Quero sair de casa e ir buscar Godelieve e desaparecer para sempre. Vez por vez vou tomando consciência dos pensamentos descabidos que tenho, mas afasto a razão, e quero abraçar qualquer estúpida iniciativa.

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Saio de casa. Levo a garrafa na mão, sem me preocupar o que o porteiro, ou os vizinhos pensarão. A verdade é que quero sair dali o mais rápido possível, e quero sair de mim, coisa que apenas o álcool me ajudará a fazer naquele momento.

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Pouco recordo da noite que passou. Lembro-me dum par de putas no meu colo que afastei, insultando-as… lembro-me do chulo delas a dar-me empurrões enquanto eu lhe pedia que me esmurrasse. Lembro-me de pagar quase 10 vezes mais ao taxista que me trouxe a casa. Lembro-me de acordar, de manhã, vestido, no sofá, e ir trabalhar, com a barba por fazer e a mesma roupa de há dois dias…

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