quinta-feira, 27 de março de 2008

Godelieve 36

O Sábado mostrou-se sozinho, Domingo dizia que da mesma forma passaria, pelo que liguei a Helga, perguntando se podia ir buscar Adriaan. Enquanto ouvia o telefone tocar, imaginava-a a levantar-se da cama, e a dizer a Arie que provavelmente era eu pois esta, tanto quanto eu sabia (que pelos vistos até era pouco), tinha ainda menos amigos que eu… sim, e agora tentava açambarcar o meu melhor amigo… Seria possível Arie iniciar uma relação séria com Helga e continuarmos amigos? Não tinha pensado tanto assim nisto, e agora que o fazia…

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- Sim?

- Olá! Sou eu!

- Ah, olá, tudo bem? – pergunta Helga. Está com aquele tom de voz que ora me irrita, ora me seduz. Irrita-me porque não era assim descontraída quando comigo, seduz-me pois não era assim descontraída quando comigo.

- Sou eu!!! O teu ex-marido, com quem já não estás há pouquíssimo tempo! Foda-se sente-te desconfortável, sê antipática, que caralho…apetece-me gritar, com toda a força! – Olha estava a pensar em ir buscar o Adriaan. Pode ser? – não responde de imediato.

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- Pode, pode… mas olha… eu de momento tenho visitas, mas mais daqui a um bocado podíamos ir os três ao cinema, que achas? – hã? – Acho que era bom para o Adriaan estar de vez em quando com ambos os pais… Que achas? – sei lá o que acho?

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- Hum, pode ser, acho eu… – ah, e as visitas? – Ah, e as visitas… quem são? – pergunto, só para ver como se safa.

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- São só uns amigos meus, mas eles já vão. Passa aqui daqui a meia hora… – meia hora? Pois passo… que tal agora? Mas desligamos corro, entro no carro, sento-me e conduzo com toda a velocidade para sua casa. Pelo caminho penso se fico escondido à espera, ou se espero mesmo em frente à porta, para ver o meu caro amigo Arie dizer-me “olá” com cara de cu…

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Estou nervoso. Acendo um cigarro, abro um pouco o vidro para o fumo sair. Demorei cerca de vinte minutos, mais do que esperava. Mas menos de meia hora, isso é o mais importante. Com toda esta comoção, nem pensei no simples facto de querer sair comigo e com o Adriaan. Claro que acho que isso é bom para ele, mas como é que ela se sente tão bem com isto?... E porque é que me está a custar tanto perceber que não serei, pelos vistos, inesquecível?... Será isso? Será que quero ser inesquecível?... Que quero que a marca e influência que tenho nos outros, nas pessoas que me rodeia, e especialmente em mim próprio… seja sentida também pela minha ex-mulher? Que idade tenho?

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Passam quinze minutos, ninguém aparece. Passam mais dois, e vejo Adriaan, o pequeno Adriaan, descer as escadas que dão acesso ao prédio, com a mãe pela mão. Como é possível? Será que, sabendo que eu viria, fizeram por se despachar? E será possível que eu esteja a ficar completamente doido e paranóico? Penso, com um sorriso que me custa esboçar, que talvez sejam sintomas da abstinência de Godelieve…

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Como está bonita… Sorri largamente ao ver o meu carro estacionado do outro lado da rua, vê se vêem carros, e solta o filho, que corre na minha direcção… Traz uma saia de lã branca e um top azul, que apesar de discreto, deixa a vontade do toque… de sentir o que está por detrás. Senta-se ao meu lado. Foda-se, como a quero foder neste momento…

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- Olá! – cumprimenta, com um sorriso – Adriaan, põe o cinto! – tenho de parecer o mais natural possível. Além de não querer por nada que perceba que sei de Arie, não quero que perceba isto que eu próprio não percebo… o desejo que neste momento sinto por si.

- Olá, tudo bem?

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Não me consegui concentrar muito no filme, e sinceramente, nem me lembro do título. Batalhava com a vontade de lhe segurar na mão, de lhe tocar na perna, de lhe beijar o pescoço. O perfume que chegava aos meus sentidos era o mesmo de sempre, e o meu desejo, esse, por mais que me matasse, não era o mesmo de sempre. Fechava os olhos e queria ver Godelieve. Conseguia vê-la, conseguia sentir o que sentia por ela, nenhum arrependimento pelas decisões que tomava, conseguia descer um pouco a mim próprio e acalmar-me… bem, quem é que quero enganar? Estava, literalmente, sem saída. De olhos fechados, a presença massacrante de alguém que há muito tempo não via e queria ver… de olhos abertos a massacrante presença de alguém que via… e não queria querer ver…

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- Vamos comer uma pizza a algum lado? – sugeriu, de seguida. A cada passada arrependia-me profundamente de ter feito o primeiro telefonema. Ou de ter assentido que saíssemos os três. Penso. poderia ser que quisesse que se sentisse desconfortável em estar comigo porque isso era, no fundo… tudo o que eu sentia quando estava consigo. Quereria eu… que ela fosse mais fraca? Tinha começado um jogo, ao sugerir o primeiro jantar, que nunca pensara poder perder. Mas agora… não o perderia, certamente, pois não levaria a situação a tal extremo… mas sentia-me o elo mais fraco.

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