terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

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Acordo a meio da noite. Penso se deveria acordá-la novamente e pedir para estar ao meu lado de manhã. Penso apenas, quem sabe, em pensar, não o penso fazer. Sinto-me bem, e com a confiança que estará ali. Curiosamente, sinto-me ainda com a confiança de que, caso não esteja, não me custará tanto a espera. Sinto-a mais como minha. Sinto frio, puxo o edredão que não sei como está na sala, e pouso uma mão na sua cinta nua. Penso no facto de estarmos na sala. Não queria estar noutro sítio que não ali. O seu quarto era uma hipótese que nunca contemplaria. Assim, aquela sala acaba por ser o nosso reduto, o nosso mundo, completo e decorado, onde não temos nada a não ser nós próprios, a presença do outro, que faz sentir qualquer um de nós mais pleno.

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Quando abro os olhos, constato que ainda dorme. Penso se terei acordado mais cedo para precaver a sua debanda, mas sorrio com esta minha reflexão sem sentido. Levanto-me, e preparo o pequeno-almoço. Sumo de laranja e umas torradas com manteiga. Talvez com o barulho da campainha da torradeira, que me avisa, Godelieve desperta. Não passam das dez horas. Sinto caminho livre para ligar a aparelhagem. Mantenho o Jazz, mas mostro-nos algo mais moderno. Diana Krall, Live in Paris, parece-me bem. Não quero muito pensar nas horas seguintes, mas é inevitável.

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Estamos sentados à mesa. Ela de robe, eu apenas de boxers.

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- Tens consciência que não saímos daquela porta desde que chegaste, e nem ligamos a televisão?... – pergunta, ao acabar de mastigar. Tem umas migalhas no canto direito dos lábios, já parcos em batom.

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- É verdade, não tinha pensado nisso… porque será?

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- Quem sabe o amor seja o entretenimento mais… entretido… – sugere, com um sorriso delicioso nos seus lábios. Adoro quando fala em amor. Mostra-me, como chegara, quem sabe, a duvidar, que toda a merda por que tenho passado, não foi em vão. Tenho ali algo, alguém. Todavia, de seguida, materializa o pensamento que eu tinha tido acerca das horas seguintes – Temos de começar a pensar ir embora…

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- Sim, é verdade… – quero perguntar como faz para desaparecer assim um fim-de-semana inteiro, sem dar satisfações a ninguém, mas não me apetece destroçar esta magia, e este não saber que tanto me apraz. Em relação à pessoa a quem mais deveria dar satisfações (reparo como evito a palavra mais apropriada), imagino, já que sei que está longe, numa das viagens de muitos nomes. Mas em relação a tudo o resto, a tudo e todos que a rodeiam, não faço a mínima ideia. Mesmo o rapaz que me trouxe até cá, quem é ele, e como pode ela confiar tanto assim em alguém, acerca de algo tão complicado?... Mais uma vez, não sei, nem quero saber…

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Ficamos uns momentos em silêncio. A maneira como concordamos o próximo encontro sempre fora feita com algum misteriosismo, tenha sido através de bilhetes no café, recados num colchão… pensando bem, não nos encontramos assim tantas vezes. Acho que, neste momento, ambos pensamos na melhor maneira de abordar a questão. Algo directo seria estranho. Algo como “encontramo-nos dia X à hora Y no local Z” seria algo a que não estamos habituados. Ironicamente, se o Theodoor que entrou por aquela porta era alguém decidido a ter tudo resoluto, explicado e sob domínio, o Theodoor que agora dava um gole no seu sumo de laranja, quase nu, diante da sua musa, era alguém que sabia, imaginava, o que seria expectável, ou não. E acima de tudo, sabia que aquilo que não era expectável era tão mais interessante que aquilo que era…

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Mas penso. Desta vez caber-me-ia a mim. Levanto-me, visto-me. Ela permanece na mesa. Está sentada na cadeira, um pouco de lado, perna cruzada e o cotovelo direito apoiado na mesma. Uma das suas posições-padrão, que tanto me agradava. Pelo recorte do robe vislumbrava a sua perna, bela e longa, que me deixava com vontade de me despir novamente. Terei mesmo de ir? Pensa em algo. Aproximo-me, dou-lhe um beijo.

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- Vais ouvir de mim. Daqui a 3 semanas. Encontramo-nos daqui a um mês. – tarde de mais. Estava dito. As palavras dispersaram e era já tarde para as agarrar e as deixar dentro de mim novamente. Mas não desesperemos. Consegui surpreendê-la.

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- Mas Theodoor…

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- Não te preocupes… – calo-a, com um breve beijo. Saio da sala, atravesso o hall, abro a porta, e estou no exterior. Está frio, e aperto mais um botão da minha gabardina. Descubro que não faço a mínima ideia de como vou para casa. Não me passa pela cabeça voltar a entrar. A minha saída fora demasiado triunfal para voltar a entrar a pedir informações…

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Tento ligar para um táxi, aproveitando os últimos traços de bateria, mas não me surpreendo ao descobrir não ter rede. Rio-me sozinho, acendo um cigarro, e ponho-me a caminho.

1 comentário:

Anónimo disse...

E ficamos todos na expectativa ,para onde levará esse caminho.

(tenho o DVD da DK Live in Paris...)