Acordo a meio da noite. Penso se deveria acordá-la novamente e pedir para estar ao meu lado de manhã. Penso apenas, quem sabe, em pensar, não o penso fazer. Sinto-me bem, e com a confiança que estará ali. Curiosamente, sinto-me ainda com a confiança de que, caso não esteja, não me custará tanto a espera. Sinto-a mais como minha. Sinto frio, puxo o edredão que não sei como está na sala, e pouso uma mão na sua cinta nua. Penso no facto de estarmos na sala. Não queria estar noutro sítio que não ali. O seu quarto era uma hipótese que nunca contemplaria. Assim, aquela sala acaba por ser o nosso reduto, o nosso mundo, completo e decorado, onde não temos nada a não ser nós próprios, a presença do outro, que faz sentir qualquer um de nós mais pleno.
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Quando abro os olhos, constato que ainda dorme. Penso se terei acordado mais cedo para precaver a sua debanda, mas sorrio com esta minha reflexão sem sentido. Levanto-me, e preparo o pequeno-almoço. Sumo de laranja e umas torradas com manteiga. Talvez com o barulho da campainha da torradeira, que me avisa, Godelieve desperta. Não passam das dez horas. Sinto caminho livre para ligar a aparelhagem. Mantenho o Jazz, mas mostro-nos algo mais moderno. Diana Krall, Live in Paris, parece-me bem. Não quero muito pensar nas horas seguintes, mas é inevitável.
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Estamos sentados à mesa. Ela de robe, eu apenas de boxers.
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- Tens consciência que não saímos daquela porta desde que chegaste, e nem ligamos a televisão?... – pergunta, ao acabar de mastigar. Tem umas migalhas no canto direito dos lábios, já parcos em batom.
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- É verdade, não tinha pensado nisso… porque será?
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- Quem sabe o amor seja o entretenimento mais… entretido… – sugere, com um sorriso delicioso nos seus lábios. Adoro quando fala
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- Sim, é verdade… – quero perguntar como faz para desaparecer assim um fim-de-semana inteiro, sem dar satisfações a ninguém, mas não me apetece destroçar esta magia, e este não saber que tanto me apraz. Em relação à pessoa a quem mais deveria dar satisfações (reparo como evito a palavra mais apropriada), imagino, já que sei que está longe, numa das viagens de muitos nomes. Mas em relação a tudo o resto, a tudo e todos que a rodeiam, não faço a mínima ideia. Mesmo o rapaz que me trouxe até cá, quem é ele, e como pode ela confiar tanto assim em alguém, acerca de algo tão complicado?... Mais uma vez, não sei, nem quero saber…
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Ficamos uns momentos
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Mas penso. Desta vez caber-me-ia a mim. Levanto-me, visto-me. Ela permanece na mesa. Está sentada na cadeira, um pouco de lado, perna cruzada e o cotovelo direito apoiado na mesma. Uma das suas posições-padrão, que tanto me agradava. Pelo recorte do robe vislumbrava a sua perna, bela e longa, que me deixava com vontade de me despir novamente. Terei mesmo de ir? Pensa
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- Vais ouvir de mim. Daqui a 3 semanas. Encontramo-nos daqui a um mês. – tarde de mais. Estava dito. As palavras dispersaram e era já tarde para as agarrar e as deixar dentro de mim novamente. Mas não desesperemos. Consegui surpreendê-la.
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- Mas Theodoor…
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- Não te preocupes… – calo-a, com um breve beijo. Saio da sala, atravesso o hall, abro a porta, e estou no exterior. Está frio, e aperto mais um botão da minha gabardina. Descubro que não faço a mínima ideia de como vou para casa. Não me passa pela cabeça voltar a entrar. A minha saída fora demasiado triunfal para voltar a entrar a pedir informações…
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Tento ligar para um táxi, aproveitando os últimos traços de bateria, mas não me surpreendo ao descobrir não ter rede. Rio-me sozinho, acendo um cigarro, e ponho-me a caminho.
1 comentário:
E ficamos todos na expectativa ,para onde levará esse caminho.
(tenho o DVD da DK Live in Paris...)
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